Conservatória - Sítios Históricos do Sul Fluminense - 16

Conservatória embasou sua prosperidade ao longo do rico período fazendário que abraçou as terras de Valença durante o século XIX.

 13/01/2017     Historiador Sebastião Deister      Edição 120
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Catalogada como 6º distrito de Valença, a histórica localidade de Conservatória possui hoje uma população de 4.182 habitantes (segundo dados do IBGE de 2010), distanciando-se 34 quilômetros da sede municipal e apresentando uma área de 240 km2.

Conservatória embasou sua prosperidade ao longo do rico período fazendário que abraçou as terras de Valença durante o século XIX. De fato, toda sua área teve enorme importância na produção, circulação e exportação do café, abrigando, ao lado da célula valenciana, quase uma centena de propriedades (entre elas, São Paulo, Florença, Veneza, Santo Antônio do Paiol, Oriente, União, Chacrinha, Flores do Paraíso, Santa Mônica, Vista Alegre e outras mais) que plantavam e escoavam o produto para o Rio de Janeiro e cidades da Europa, com isso carreando notáveis fortunas aos grandes latifundiários locais.

O primeiro registro do local data do final do século XVIII, graças ao relato de 1789 deixado pelo naturalista Saint-Adolph que visitou uma reserva dos índios Araris. De fato, o capitão Inácio de Souza Werneck (então proprietário da fazenda da Piedade de Vera Cruz) lá esteve a pedido das autoridades brasileiras no intuito de aldear os indígenas em um espaço conhecido como Reserva de Conservação dos Índios, daí a origem do nome Conservatória Em 1826, ainda existiam 1.400 índios aldeados na reserva, mas em tempo muito breve eles seriam exterminados pelos desbravadores colonialistas que desejavam as terras para a construção de suas enormes fazendas. Contudo, em 1827 já havia uma capela curada no povoado conhecido como Santo Antônio do Rio Bonito. Anteriormente, pela portaria de 5 de fevereiro de 1803 o padre. Manoel Gomes Leal viu-se nomeado capelão dos índios por autorização do Bispo Dom José Joaquim Justiniano. Ao padre caberia construir a capela e praticar todos os atos religiosos para o bem da evangelização dos índios Araris que por lá ainda circulavam.

A capela foi destruída por um incêndio em 1838. Sem um local adequado e consagrado para a realização de missas, batizados, casamentos e outras celebrações litúrgicas, os religiosos passaram então a praticar seus cultos e obrigações nas capelas das fazendas próximas. A despeito de tantas dificuldades, nos primeiros meses desse mesmo ano de 1838 o Curato de Santo Antônio do Rio Bonito foi elevado à categoria de Paróquia, passando à condição de Freguesia em 19 de março.

Por iniciativa dos irmãos Anastácio Leite Ribeiro, Francisco Leite Ribeiro e Floriano Leite Ribeiro, os moradores mais abastados da região resolveram levantar um templo mais digno para o padroeiro Santo Antônio em substituição à capela incendiada. Em 1850 foi feita uma subscrição popular destinada a angariar donativos para a construção da Igreja Matriz da freguesia. A iniciativa foi um sucesso, e o total arrecadado chegou ao considerável montante de Rs. 23.461.000 (vinte e três contos e quatrocentos e sessenta e um mil réis). Além dessa contribuição do povo local, o governo da Província do Rio de Janeiro, pelo decreto de nº 613, de 13 de outubro de 1853, autorizou um auxílio através de consignação mensal de Rs. 300$000 (trezentos mil réis) para a continuidade das obras da Matriz, todas realizadas por engenheiros, pedreiros, carpinteiros e artesões vindos de Portugal que contaram, é claro, com a imprescindível e capacitada mão-de-obra dos escravos locais.

Como curiosidade, podemos lembrar que as pedras para a construção da Matriz foram trazidas da fazenda São Luiz, de propriedade da família Rocha, transportadas num primitivo veículo usado na época denominado zorra, isto é, um gancho de árvore puxado por uma corrente atrelada à canga de uma junta de bois.

A princípio, e em função da presença da Igreja Matriz, o povoado recebeu o nome de Santo Antônio do Rio Bonito, seu padroeiro. Entretanto, a tradição indígena já deixara sua marca no lugar e o topônimo Conservatória se impôs em definitivo.

Não podemos esquecer que a riqueza do café em Conservatória só foi possível em função do braço negro escravo, que deixou pela vila centenárias construções de belas características coloniais junto ao típico e interessante calçamento pé-de-moleque de suas ruas e vielas. A presença negra também surge em outros monumentos da cidade, como a Ponte dos Arcos (construída para dar passagem a um dos trechos da antiga Rede Mineira de Viação, Conservatória / Santa Isabel do Rio Preto, e daí até Santa Rita de Jacutinga, em Minas Gerais), e o Túnel Que Chora - assim conhecido por conta das gotas vindas da nascente sobre ele -, com 100 metros de extensão, cavado na pedra bruta a mão pelos escravos e por onde trafegava a Maria Fumaça.

A prosperidade econômica do final do século XIX deu margem a outra tradição na vila: a serenatas. Com efeito, um dos grandes atrativos sociais e culturais da cidade é o Museu da Seresta, criado pelos irmãos Joubert de Freitas e José Borges Neto, cujo espaço reúne dezenas de seresteiros às sextas-feiras e aos sábados à noite Em grupos, os amigos seresteiros saem do Museu para cantar pelas ruas de Conservatória, conservando assim um hábito centenário que atrai centenas de turistas ao lugar.

 Na próxima edição: Usina Força e Luz de Vera Cruz