Carta Aberta ao prefeito Eurico Pinheiro Bernardes Neto

Meu prezado Juninho, perdoe-me por abrir mão dos trâmites laudatórios que seu cargo público exige e tratá-lo tão-somente pelo apelido familiar

 20/01/2017     Historiador Sebastião Deister      Edição 121
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Perdoe-me por abrir mão dos trâmites laudatórios que seu cargo público exige e tratá-lo tão-somente pelo apelido familiar já consagrado em Paty do Alferes. Afinal, como ex-professor de seus pais e de muitos de seus tios e tias, sinto-me à vontade para travar com você um diálogo franco, sincero e amigável.

Esta nova experiência no campo político baliza esperança e otimismo para sua cidade em função de sua juventude e de seu ânimo para o trabalho. Entretanto, você, melhor do que ninguém, conhece as significâncias e o peso das reponsabilidades que repousam sobre seus ombros, mas como historiador e cidadão patiense agraciado pela Câmara Municipal de seu município, não pude me furtar ao desejo de veicular esta carta pretensiosa, trazendo à baila um assunto espinhoso, posto que essencial no espaço de hibridação secular que abraça Paty fo Alferes.

É provável que suas atribuições executivas estejam divorciadas de projetos de preservação arquitetônica do imóvel que abrigava a Câmara Municipal, porém creio ser você o interlocutor ideal para minhas ponderações.

Caro prefeito, dói ver aquele patrimônio desamparado, desassistido e entregue às desídias do tempo. Em seus espaços, a elite patiense dançou, cantou e amou ao som de alegres grupos musicais nas festivas noites do histórico Paty Clube. Pelos seus corredores circularam membros das famílias Lacerda, Peixoto, Castro, Pinheiro, Werneck, Teixeira e Bernardes, inclusive o Coronel da Guarda Nacional Manoel Francisco Bernardes e sua esposa Joaquina Maria de Mello Bernardes, seus tataravós. Tal lembrança, por si só, garante que os ares históricos e culturais daquele belo casarão ainda circulem em suas veias e envolvam todos os seus familiares.

Paty não merece outro agravo patrimonial e identitário. Já é suficientemente cruel o fato de o IPHAN desprezar a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, deixando-a à mercê de sua própria idade provecta, e a FUNARTE ignorar a riqueza e a historicidade da Fazenda da Freguesia (a tão valiosa Aldeia de Arcozelo), o embrião que fez vir à luz a Vila de Nossa Senhora da Conceição de Serra Acima da Roça do Paty do Alferes. Estes dois cânceres estão corroendo uma cidade que vai completar 278 anos. Não permita, por favor, que tais metástases sepultem o único símbolo urbano de uma História tão preciosa e única no Vale do Paraíba.

A vida não é só o presente, pois é com o passado que aprendemos a estruturar o futuro. Afinal, o que deixar para aqueles que virão um dia à Terra? Como historiador, sou forçado pelas minhas próprias convicções a não me resignar ao silêncio, levando talvez inquietação àqueles que detêm o poder e que, de fato, enfeixam em suas mãos a capacidade de mudar algo em benefício de seus concidadãos. Por conta disso, vesti-me de atrevimento ao lhe enviar este pedido caloroso. Não tome como modelo alguns governantes de Miguel Pereira, que assistiram, impassíveis, à criminosa derrubada de sua estação ferroviária, enterrando parte da História que permeou por mais de um século o fluxo de vida daquela cidade. Pela incúria e vaidade de dirigentes despreparados, foram-se, para sempre, História, Patrimônio, Identidade Social e exemplos de vida e trabalho.

Não há imortalidade no homem, mas em suas obras perenizam-se sua arte e sua trajetória no Mundo. Suas pertinências morais, culturais, étnicas e históricas refletem-se ad aeternum em seu patrimônio arquitetural, pictórico, literário e musical. São seus trabalhos e suas atitudes que sobrevivem incólumes ao longo dos séculos. Assim, alguns pequenos atos exigem coragem, intrepidez e determinação, mas sua aplicação para o bem público gesta a semente que faz do seu autor um ser ímpar e diferenciado.

Prezado prefeito, é por reconhecer em você tais virtudes que venho aqui subscrever meu apelo: salve a memória que resta na sua Paty do Alferes, e a sua, com certeza, estará preservada daqui a 4 anos.

Desculpe-me pela possível fraqueza das propostas aqui inseridas, pela audácia desta carta e pela inabilidade com que procurei defender o patrimônio patiense, patrimônio que também é seu.

Com apreço e amizade, 

Professor Sebastião Deister