A Estrada União e Indústria e a Estação de Mudas de Cavalos

Suas obras foram iniciadas em 12 de abril de 1856 e sua inauguração, comandada pelo Imperador D. Pedro II, aconteceu em 23 de julho de 1861

 03/03/2017     Historiador Sebastião Deister      Edição 127
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Embora não tenha servido de base direta para o advento da cafeicultura no vale do Paraíba, já que surgiu quase no final do período áureo das fazendas, a Estrada União e Indústria também foi palco de enorme progresso para o Sul Fluminense. Construída por Mariano Procópio Ferreira Lage, veio a ser a primeira estrada pavimentada com macadame no Brasil. Suas obras foram iniciadas em 12 de abril de 1856 e sua inauguração, comandada pelo Imperador D. Pedro II, aconteceu em 23 de julho de 1861. Obra-prima da engenharia do século XIX, conectava Petrópolis a Juiz de Fora numa extensão de 144 km (96 km no Rio de Janeiro e 48 km em Minas Gerais), tendo sido contemplada com sólidas pontes de granito e ferro, muretas de pedra, arborização de suas margens e 12 estações de mudas de cavalos, nas quais nenhuma arquitetura foi repetida. É sabido, inclusive, que ao longo de suas margens sinuosas e por vezes inóspitas plantaram-se mulungus-vermelhos (Erythrinaxinguensis), árvores da família das leguminosas que, dada à trama muito bem feita de suas raízes, conferem grande resistência aos terrenos dos acostamentos. Em época de florada, essas árvores proporcionavam um agradável visual à estrada, que ficava colorida e atraente em razão de suas flores vermelhas.

Na realidade, esse pioneiro caminho deveria possuir três ramais: o primeiro saindo de Paraibuna para acompanhar a margem direita do rio Preto até Porto das Flores (hoje Manoel Duarte, em Rio das Flores), passando por Três Ilhas e Santa Rosa; o segundo começando na Estação da Posse e prosseguindo até Aparecida para então atravessar Rio Preto (hoje São José do Vale do Rio Preto) em direção a Petrópolis e o terceiro partindo da estação Luís Gomes e estendendo-se para Sapucaia, após cruzar a localidade de Bemposta. Todavia, os dois últimos trechos não chegaram a ser totalmente concluídos.

O que restou mesmo foi o ramal Petrópolis/Juiz de Fora, transpondo as atuais áreas fluminenses de Areal, Três Rios, Comendador Levy Gasparian e Monte Serrat (que até hoje conserva uma das estações de trocas de animais, agora abrigando um Museu Rodoviário), para em seguida cruzar a ponte sobre o rio Paraibuna. A propósito, o brigadeiro Cunha Matos, ao passar pelo Caminho Novo, registra que essa ponte estava em construção em abril de 1823 sob o comando do Coronel José Antônio Barboza, cognominado na região de "Capitão Tira-Morros". Segundo Cunha Matos, a ponte possuía um comprimento de 377 palmos (82,94 metros) e uma largura de 20 palmos (4,40 metros), tendo uma estiva ou trilho que, apoiada sobre grandes pilares de pedra, passava de um a outro peitoril. Sobre ela, D. Pedro I, já então Imperador do Brasil, almoçou com sua comitiva no dia 30 de abril de 1824, quase dois anos depois de sua primeira passagem pelo Registro de Paraibuna quando de sua famosa viagem a Minas Gerais em 27 de março de 1822. Uma vez concluída, a ponte ganharia uma cobertura de telhas em toda sua extensão, tendo sido eternizada em uma célebre gravura de Johann Moritz Rugendas. Tal cobertura, infelizmente, não mais existe.

Já em terras mineiras, o caminho passa por Paraibuna, Simão Pereira, Matias Barbosa e finalmente Juiz de Fora. Trechos dessa estrada atualmente estão cobertos pelo asfalto das rodovias Lúcio Meira (393) e Rio-Juiz de Fora (040). Criava-se, dessa maneira, o palco que iria receber, muito rapidamente, as dezenas de freguesias e povoados gerenciados por Paraíba do Sul, Valença, Paty e Vassouras e, em subsequência, os demais satélites urbanos responsáveis pelo aparecimento dos vários municípios que hoje compõem o chamado Sul Fluminense.

A estação de trocas de cavalos ainda existente em Monte Serrat é hoje propriedade do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), já tendo sido tombada pelo IPHAN. Contudo, há mais de vinte anos está sob administração da prefeitura de Levy Gasparian, que há tempos determinou seu fechamento a visitas em função da urgente necessidade de obras de restauração de toda sua estrutura.

O belo prédio, construído em madeira e alvenaria, tijolos maciços e telhado em folhas de metal de cor clara, foi erguido com interessantes características de chalé francês exatamente no espaço destinado à trocas das montarias das caravanas que por ali circulavam, constituindo a estação de número 8 da Estrada União e Indústria.

Em suas viagens entre Petrópolis e Juiz de Fora, o imperador D. Pedro II costumava trocar os animais usados nas diligências em um revezamento que se repetia a cada hora.

A estação hoje abriga o chamado Museu Rodoviário. Seu acervo é composto de peças bastante variadas, desde a reprodução do piso da antiga estrada até a Mazeppa, carruagem muito utilizada pelo Imperador, além de cadeirinhas de arruar, maquete de tripeiros do século XIX, placas de inauguração das estradas de rodagem pioneiras no país e quadros de D. Pedro II, Mariano Procópio, Getúlio Vargas e Tiradentes, Nos pátios existe um múltiplo acervo de máquinas e equipamentos usados na construção da estrada, destacando-se ali marcos de pedra, antigas máquinas a vapor utilizadas na abertura e conservação das primeiras rodovias brasileiras, medalhões e chafarizes de pedra, ônibus, jipes, tratores, uma moto Harley-Davidson de 1947, um trólei, caminhões e outros veículos antigos. Todavia, a despeito da sua riqueza histórica e cultural, o museu apresenta condições precárias e um inevitável ar de abandono e negligência, principalmente naquilo que se refere às peças distribuídas pela sua área externa, todas tomadas pela ferrugem e feridas pelo vandalismo. 

Ao longo do tempo, a Estrada União e Indústria foi sendo palco de novas intervenções de engenharia, e alguns de seus trechos acabaram servindo como base para a implantação da BR-040 (Rio - Juiz de Fora). As demais áreas originais encontram-se pavimentadas, como aquelas que cruzam Monte Serrat e logo à frente atravessam a ponte de Paraibuna para alcançar Simão Pereira e Matias Barbosa (já no lado mineiro).

Na próxima edição: Cavaru