A Estrada do Comércio

Antigos Caminhos de Colonização do Tinguá

 01/04/2017     Historiador Sebastião Deister      Edição 131
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Das estradas que acabaram por atender diretamente Valença e Vassouras, a mais antiga era a chamada Estrada do Comércio, iniciada em 1811 em razão de uma proposta da Junta Real do Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos, daí sua titulação. Na verdade, o caminho deveria atravessar uma região de mata virgem para melhorar o trajeto das tropas de mulas entre o porto do Rio de Janeiro e as Minas Gerais e Goiás, sendo executado pelo Coronel de Milícias José Pedro Francisco Leme por incumbência do Intendente Geral de Polícia.

A estrada ficou pronta em 1822. Começava na vila de Nossa Senhora da Piedade do Iguassu, subia a serra do Tinguá, e chegava até o porto de Ubá, atual distrito de Andrade Pinto, em Vassouras, às margens do Rio Paraíba do Sul, de onde podia seguir para Minas Gerais e Goiás. Em Piedade do Iguassu, a estrada permitia a conexão com diversos portos no rio Iguassu de onde as embarcações chegavam ao porto do Rio de Janeiro. Outra opção era seguir por caminhos que passavam pela freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Irajá e Inhaúma até alcançar o centro da capital.

Na área de Vassouras, ela seguia pelas margens do Rio Paraíba até alcançar um modesto povoado hoje batizado como Sebastião de Lacerda, mas naqueles tempos conhecido como Comércio em função da própria estrada que o cortava. Vale lembrar que esta localidade está situada a aproximadamente 15 quilômetros do distrito valenciano de Barão de Juparanã, no roteiro que segue diretamente para Rio das Flores (antiga Freguesia de Santa Thereza d'Ávila), tendo as obras de sua igrejinha financiadas, anos depois, por Peregrino José d'América Pinheiro, o Visconde de Ipiabas, então proprietário da Fazenda Guaritá, assentada em terras da região e bem junto do povoado citado.

Tem-se como certo que a Estrada do Comércio cruzava as matas da atual Reserva Biológica do Tinguá, administrada pelo Instituto Chico Mendes, em cujo interior encontram-se as incríveis ruínas da Igreja de Santana das Palmeiras do Alto da Serra do Comércio, construção comandada pelo Barão de Paty entre 1852 e 1856. Lembremos que Santana das Palmeiras chegou à condição de vila próspera e bastante frequentada pelas caravanas da época, oferecendo aos habitantes delegacia, escola e cemitério. Vitimada inicialmente por um violento surto de cólera e logo em seguida por dezenas de casos de malária, o local foi abandonado às pressas pela população, ficando assim à mercê dos malefícios do tempo. Por conseguinte, a própria Estrada do Comércio acabou perdendo importância, até porque em 1858, com as viagens da Estrada de Ferro Dom Pedro II (posteriormente Estrada de Ferro Central do Brasil), todas as mercadorias antes transportadas por mulas e tropeiros passaram a ser remetidas de maneira rápida e segura pelos trens que a princípio ligavam a Corte do Rio de Janeiro a Queimados e Belém (hoje Japeri). Algum tempo depois, surgia a Estrada da Polícia ou Estrada de Rodeio (atual Engenheiro Paulo de Frontin) com seus desvios para Vassouras e Valença e até mesmo com caminhos alternativos para a região de Paty do Alferes, fator de pronta conexão econômica com a região cafeeira do Vale do Paraíba.

Aflorando das matas do Tinguá, e contornando o Lago das Lontras, a Estrada desce diretamente para o logradouro de Arcádia (antigo Bomfim), aos pés do Morro da Viúva, deixando em sua esteira algumas importantes propriedades, como, por exemplo, as Fazendas do Livramento e Fazenda do Capote. Em Bomfim, seus construtores viram-se compelidos a atravessar o Rio Santana para subir quase em linha reta até a área de Morro Azul do Tinguá (por uma variante até hoje existente, junto à qual aparece a Fazenda São João da Barra), dali infletindo para Oeste em busca das terras vassourenses. Depois de atravessar Morro Azul do Tinguá, a Estrada deriva um pouco mais para nordeste, aglutinando-se finalmente com o caminho que vem de São Sebastião dos Ferreiros, para então seguir em direção a Vassouras, Juparanã e Comércio.

A abertura da Estrada do Comércio influenciou bastante o crescimento econômico da Baixada Fluminense e a criação da vila de Nossa Senhora da Piedade do Iguassu, que depois mudou de lugar e nome para o atual município de Nova Iguaçu.

A primeira seção da estrada foi praticamente reconstruída em 1842 pelo coronel Conrado Jacob de Niemeyer, agregado ao Imperial Corpo de Engenheiros do Império, quando então recebeu a colocação de calçamento de pedras, a retificação de trechos mais sinuosos, a construção de pontilhões e extensos muros de arrimo para contenção de encostas. O coronel Nie­meyer, inclusive, mudou-se com a família para a serra do Tinguá, ocupando áreas onde atualmente localiza-se o distrito de Conrado, em Miguel Pereira.

Atualmente, este caminho pode ser percorrido em sua quase totalidade, uma vez que apenas no interior da REBIO (Reserva Biológica do Tinguá) ela está vedada a qualquer tipo de trânsito ou mesmo passagem de pedestres.

 

Na próxima edição: A Estrada da Polícia