Nossa Senhora da Conceição - Vassouras

As Igrejas Católicas na Ocupação do Vale do Paraíba

 16/06/2017     Historiador Sebastião Deister      Edição 142
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A Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Rio Bonito e Vassouras recebeu Provisão definitiva para a instalação de um Vicariato no ano de 1837, graças ao desmembramento das terras que faziam parte da Freguesia de Sacra Família do Tinguá. Tal separação, ordenada pela Província do Rio de Janeiro com o aval do Arcebispado do Rio de Janeiro, apresentava conotações políticas incontornáveis. Os ricos barões do café, que já estendiam seu poder financeiro pelas terras vassourenses, mostravam-se pouco à vontade quando precisavam dos préstimos da igreja e viam-se obrigados a viajar até a distante Sacra Família. Além do mais, outras figuras proeminentes da sociedade que emergia em Vassouras não se conformavam em ter sua Freguesia desprovida de uma Matriz enquanto na vila vizinha prosperava o templo consagrado à Nossa Senhora da Conceição. Por conseguinte, os mais eminentes chefes políticos da época deram partida a um movimento voltado para a imediata edificação de sua igreja. Afinal, Vassouras dispunha de projetistas qualificados, pedreiros, pintores e escultores, contando ainda com a numerosa mão-de-obra representada por um imenso contingente de escravos. Portanto, sob a inspiração de Nossa Senhora da Conceição a igreja entrou em processo de construção no dia 8 de janeiro de 1828 em uma elevação no centro da Vila. Os trabalhos ficaram sob a coordenação do Coronel Custódio Ferreira Leite, o barão de Ayuruóca, que pretendia, a princípio, construir apenas a Capela-Mor. Foi de pronto auxiliado pelo Comendador Francisco José Teixeira Leite (que em 1871 seria agraciado com o título de Barão de Vassouras) que durante um ano agenciou uma subscrição popular entre todos os moradores da Vila, logrando com isso arrecadar a expressiva quantia de Rs 7.000$000(sete contos de réis), com a qual a Capela-Mor pôde ser concluída rapidamente.

Tendo comprovado o acelerado crescimento da Freguesia e ciente da necessidade de residir na vila um Pároco responsável pela coordenação dos trabalhos eclesiásticos locais, a Província do Rio de Janeiro determinou a execução, em 1838, de várias obras de ampliação em torno da capela já montada em honra de Nossa Senhora, com despesas de Rs 90.180$792(noventa contos, cento e oitenta mil e setecentos e noventa e dois réis) complementadas apenas em 30 de outubro de 1862. O templo foi inaugurado em 1853, e seu Vigário de Vara teria de seguir todas as determinações emanadas do 9º Título do Regimento do Auditório Eclesiástico do Arcebispado da Bahia, editado em 8 de setembro de 1704 e referendado pela Província do Rio de Janeiro em 1837 quando da Provisão emitida em favor da construção da Igreja Matriz. Essa Provisão, oficializada pela Lei Provincial nº 108, de 23 de dezembro de 1807, impusera ainda os limites geográficos da Freguesia de Vassouras que, em obras futuras, deviam ficar sob a jurisdição da Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Já a Deliberação Presidencial exarada pela Província do Rio de Janeiro em 28 de setembro de 1838 confirmava uma Paróquia própria para Vassouras e dava a ela o direito de registrar os assentamentos de todos os nascidos em seu território e assinar os óbitos ocorridos na Freguesia, além da prerrogativa de auferir benesses com a celebração de batizados, crismas, casamentos e outras atividades litúrgicas.

A Igreja foi aprumada em pedra e cal por sobre enormes pedras de cantaria e rochas graníticas quadrangulares. Acresce o fato de que a Matriz de Vassouras contém um dos mais admiráveis conjuntos de capelas radiantes de toda a serra, principalmente se comparada às demais igrejas católicas da região. Os majestosos espaços determinados pela considerável área geral da sua nave principal permitiram o total aproveitamento de suas paredes, mesmo não contando os pontos específicos de colocação de suas várias janelas. Nestas paredes, encontramos quatro altares sofisticados - sendo dois por cada parede - onde podem ser adorados São Pedro, São Sebastião, o Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora de Sant´Anna. A despeito de exibirem proporções mais reduzidas, estes tronos laterais de veneração acompanham rigorosamente as características verificadas no altar-mor, sendo emoldurados por barras salientes de estuque e gesso, as quais se unem acima dos nichos das imagens em volutas decoradas com elementos florais e muitos arabescos trabalhados caprichosamente a fio de ouro.Os mesmos desenhos empregados nos adornos dos altares secundários foram transpostos para a decoração da parte superior da abóbada da Igreja: assim, esses motivos florais partem do transepto em direção à parte superior da abside, fazendo com que o olhar do visitante se dirija primeiro e diretamente para o altar-mor e para o nicho da Padroeira.

O admirável conjunto arquitetônico da Matriz de Vassouras é extremamente solene, rico e imponente e, nas particularidades de sua valiosa decoração e nos amplos espaços de todas as suas dependências, tem-se sempre um perfeito exemplo da ostentação e do luxo da época imperial intensamente vivida pela freguesia vassourense, até porque o acervo de imagens é inestimável e surpreendente. Além dos esplêndidos ícones que se agasalham na nave sombreada e aconchegante, há no consistório da matriz uma grandiosa imagem de Cristo Crucificado que foge a qualquer descrição mais simplista. Suas feições trespassadas pela dor e pela suprema angústia da morte, suas extraordinárias dimensões, a qualidade de seu acabamento e a perfeição das minúcias de sua face dorida fazem-nos crer numa inspiração divina que, há mais de um século, guiou a habilidosa mão do seu privilegiado escultor.

A pia batismal em mármore finamente trabalhado; os portais coloniais de espantosa espessura; as amplas e convidativas janelas que refletem a luz do sol; os bancos de pesada madeira de lei; o balaústre torneado de seus púlpitos seculares; o piso firme pelo qual ressoaram os passos vigorosos das botas de empertigados barões; os entalhes na madeira por onde deslizaram as negras e ágeis mãos de escravos e o ambiente confortável pelo qual flutuaram as melodias de singelos cantos gregorianos, tudo, enfim, faz-nos regredir ao ontem abismal e litúrgico de Vassouras. De fato, na quietude daquela envolvente Igreja ainda se pode perceber na poeira translúcida dos anos os ares e os ecos alegres de festas e casamentos ilustres que serviram como aliança indestrutível entre as poderosas famílias dos nobres barões e viscondes que dominaram por décadas aquela histórica e simpática cidade.

Praça Sebastião de Lacerda, Centro, tel. (24) 2471-1618

Na próxima edição: Igreja de Ferreiros