Meritocracia pra quem?

Fernanda ? juíza de direito

 24/03/2018     Opinião   
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No ano de 1994, quando tinha 7 anos, meu pai me presenteou com meu primeiro livro. As poucas linhas que escreveu à época transferem a mim não somente o objeto em si, mas o amor em sua forma mais pura. O amor e o incentivo.

Há alguns meses fiz uma audiência com um menino de 15 anos de idade. A informação era a de que não estava frequentando a escola. Ao questioná-lo sobre o que gostava de fazer, obtive o silêncio como resposta. Insisti. Perguntei a razão pela qual não ia ao colégio. Ele, com os ombros caídos, sem me olhar nos olhos, respondeu que tinha vergonha. Vergonha porque não sabia escrever. Vergonha porque não sabia ler. Vergonha porque não entendia matemática. Vergonha porque seus colegas de sala eram muito mais novos que ele. 

A mãe, uma trabalhadora rural analfabeta, explicou que passava o dia na roça e que não tinha condições para cuidar dos 6 filhos. O pai... ah, o pai... há muito tempo havia sumido nesse mundo. Nenhuma ligação, nenhum amparo.  

Retorno ao início do texto. Eu, Fernanda, aos 7 anos e em pleno processo de alfabetização, fui presenteada com um livro. Era meu primeiro desafio: ler a história e contá-la ao papai e à mamãe. Perdi as contas de quantos outros livros ganhei ao longo da vida, de quantas vezes meus pais sentaram-se comigo para ajudar com a lição de casa, de quantas descobertas fiz ao lado deles.

Enquanto alguns ganham livros, outros morrem de fome. Outros tantos vendem balas no farol. Inúmeros vão à escola e ali têm sua única refeição do dia: a merenda. 

Milhões nunca leram um livro, um gibi, um conto. Incontáveis deles nunca foram incentivados a sonhar. 

Triste notar o que um Estado apático e omisso pode causar. Um Estado que gasta milhões com a guerra contra os inimigos que elege, enquanto a educação padece. Triste fazer parte de uma sociedade alienada e egoísta, preocupada apenas com a manutenção de seus privilégios, formada por pessoas que enxergam política social como favor. Uma sociedade que desconsidera toda a realidade de exclusão e marginalização que persegue tantos indivíduos desde a gestação.

O problema não é você estar onde está. Não é estar ocupando um cargo de destaque, não é seu sucesso profissional e financeiro. 

Parabéns por isso, meu caro. O problema é você não enxergar o mundo à sua volta. 

Meritocracia pra quem?


Fernanda, 31 anos, juíza de direito do Tribunal de Justiça do Paraná. Formou-se pela Universidade Federal e estudou na Universidade Presbiteriana Mackenzie.