Estrella aponta a importância do pré-sal para um projeto de desenvolvimento
Perdemos o controle de um negócio estratégico e básico para a vida de todo cidadão
18/01/2019
Economia
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Considerado o Pai do Pré-Sal, o
ex-diretor da Petrobras, o geólogo Guilherme Estrella, veio ao Recife
participar do II Congresso UFPE em Debate, promovido pela Associação dos
Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (Adufepe), e fez o alerta. "Nós
perdemos o controle de um negócio estratégico e básico para a vida de todo
cidadão. Se for concretizado, vamos nos tornar um conglomerado heterogêneo de
investimento estrangeiro". A preocupação está ligada ao plano de governo de
privatização anunciado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, e que deu os
primeiros passos ainda na gestão Temer. "Os
países mais desenvolvidos do planeta são autossuficientes em energia. Petróleo
é fator de segurança e soberania nacional. Quando você tem responsabilidade
pelo que acontece, a cada momento aproveita a oportunidade do processo de
produção para introduzir melhorias. É assim que a indústria funciona. Com a
retirada da operação única da Petrobras, o que vai acontecer é que vão retirar
o máximo no menor prazo para se ter mais lucro, e o futuro a Deus pertence",
disparou.
Ainda de acordo com o especialista, a privatização pode ser
fatal para o pré-sal. ?Ela interrompe um projeto. A partilha é importante
porque o óleo pertence ao país e ao governo, mas nós não teremos o que falta
para iniciar um processo de industrialização com inovação brasileira. Quando
indústrias estrangeiras entrarem no negócio, a produção será para atender a
demanda de energia dos países de origem. O pré-sal deve ser usado em um plano
de governo escalonado a longo prazo. Ele nos dá segurança para investirmos em
equipamento e em núcleos de inteligência, introduzindo as universidades
brasileiras nesse processo, e avançando por 50 anos?, assegurou.
Para que fosse possível descobrir essas reservas naturais e
operar com eficiência em águas profundas, foram desenvolvidas tecnologias
próprias em parceria com fornecedores, universidades e centros de pesquisa.
Foram contratadas sondas de perfuração, plataformas de produção, navios e
submarinos com recursos que movimentam toda a cadeia da indústria de energia. ?Um
operador único do consórcio é que decide o equipamento a ser utilizado e até
mesmo o projeto de engenharia. Uma empresa estrangeira não terá entrosamento
com as universidades brasileiras, por exemplo, e nem terá a mesma disposição
para inseri-las, privilegiando sempre os centros de pesquisa internacionais. As
empresas de fora ganham dinheiro tirando a Petrobras da operação única, pois o
custo operacional é ressarcido ao operador em óleo de petróleo. Atualmente, nós
temos o menos custo do mercado. Imagina como pode ficar daqui para frente?,
ponderou Estrella.
"O pré-sal veio cobrir essa lacuna que
nós temos de projeto de desenvolvimento autônomo pelos próximos 50 anos. Se
continuar essa política que está nos jornais e que já foi praticada nesse
governo que assumiu a direção do Brasil, nós teremos realmente perdido a maior
oportunidade de sermos uma superpotência. Ficaremos submetidos ao grande
interesse capitalista continental e seremos saqueados por interesses não
brasileiros."
Guilherme Estrella - ex-diretor da Petrobrás (Foto)
O que é o pré-sal?
O pré-sal é uma área de reservas petrolíferas encontrada sob
uma profunda camada de rocha salina, que forma uma das várias camadas rochosas
do subsolo marinho. As reservas do litoral do país são as mais profundas, onde
já foi localizado petróleo em todo o mundo. Nelas, temos óleos raros e com
quantidade imensa de gás, que somos carentes. Até hoje, temos que importar gás
para gerar eletricidade. O pré-sal tem gás à vontade e, mais do que isso, é
rico em matéria-prima petroquímica e de fertilizantes. Outros insumos dos quais
somos carentes. Para você ter ideia, somos os segundos maiores produtores de
alimentos do planeta, mas importamos 80% dos nossos fertilizantes. Até o
comércio está sendo desnacionalizado, é só observar as redes de supermercado,
são Walmart, Carrefour e muitos outros. Hotéis estrangeiros estão em todo o
litoral brasileiro. Estamos vendendo as nossas terras.
O que justifica o alto custo dos combustíveis
e do gás de cozinha se temos a maior província de pré-sal do planeta?
Quando assumimos, a Petrobras já estava fragilizada por
governos federais anteriores, porque já se falava sobre privatizações. Nós
assumimos com a orientação do governo de recompor o que a gente chamava de
empresa integrada de energia. Com a operação única, furamos o pré-sal e
retiramos, nessa fase inicial, o máximo de amostras diretas. Foi uma operação
caríssima. Nenhuma empresa entrou. Gastamos muito, mas houve o desenvolvimento
geocientífico. Antes, era tudo subdividido em unidades de negócio. Essas mesmas
unidades competiam entre si para a venda de produtos. Até o jurídico era
espalhado por todo o país. Nós reintegramos a companhia no sistema produtivo de
petróleo e gás natural e criamos uma estrutura cíclica. O sistema todo era
estável e compensava o alto custo de um lado com as vendas nos outros
compensando tudo como numa balança. No final, o consumidor tinha o menor preço
assegurado. Não somos os melhores geólogos e engenheiros do mundo, mas com o
monopólio estatal quem entende do Brasil é a Petrobras. A experiência é nossa e
nenhuma empresa sabe como fazer isso funcionar sem repassar o custo para a
população. Temos o menor preço do barril de petróleo. Acontece que o sistema
todo tem que ser sustentado e, novamente, estão esquartejando a empresa,
dissociando os elos. A exploração e produção do pré-sal são mais lucrativas. A
empresa fica com a produção do pré-sal, que tem maior lucratividade, e o
restante é fatiado. Por isso, cobram até R$ 80 no botijão de gás, por exemplo.
O Brasil é capaz de explorar o pré-sal sem
capital estrangeiro?
Nós estamos falando de um projeto escalonado de
desenvolvimento. O Brasil é o quinto maior território emerso do mundo, 10% de
todo o oxigênio da atmosfera vem da Amazônia, temos a mais extensa rede
hidrográfica do planeta e, além disso, temos a maior biodiversidade. Se
pararmos para pensar, temos a matriz energética mais equilibrada do planeta, e
todos os países fizeram riqueza com base em energia. É a base para qualquer
desenvolvimento industrial. Petróleo é questão de segurança e soberania
nacional para todo o mundo, tem que ser no Brasil também. Estamos falando de um
formato que não vai eliminar a empresa privada. A partilha é uma coisa
importante, mas deve ser feita com o controle brasileiro. É preciso privilegiar
as empresas nacionais. A maioria das empresas estatais que nós temos vieram de
indústrias estrangeiras que passaram por um processo de nacionalização. São
raras as que não são assim, como a Petrobras e a Embrapa. A Petrobras foi fundada
pelo Estado brasileiro com herança do Conselho Nacional de Petróleo. O processo
está desequilibrado, e a perda disso compromete a estrutura da companhia e
também o projeto de país a longo prazo. Não queremos eliminar o investimento de
empresas privadas, mas é preciso abrir espaço para o que é nosso. Para se ter
uma ideia, quando nós descobrimos a Bacia de Campos, quem mais entendia sobre o
reservatório era a Universidade do Texas. Temos que colocar um freio para que
as coisas não se transformem em ameaças. A ideia de privatizar a estatal é
desesperadora.
O que pode ser feito para barrar essa
exploração internacional?
Primeiro, existe uma ação imediata de defesa do patriotismo.
Há uma clara indicação de que a democracia brasileira está em risco e não é de
agora. A própria prisão de Lula (ex-presidente) é a prova disso. A Justiça
brasileira não está funcionando. A prisão de um homem sem provas é terrorismo
do Estado, significa a extinção da segurança jurídica de qualquer cidadão.
Agora, precisamos formar grupos de defesa com todo mundo e depois discutimos as
questões menores.
Qual a ameaça que o presidente Jair
Bolsonaro, exerce para os recursos naturais do país?
O governo é confuso em suas projeções e precisamos pensar em
ações. Pelas declarações, estamos diante de uma tragédia ambiental. Ele quer
reduzir o poder do Estado e privatizar tudo. Os recursos naturais serão
entregues a empresas estrangeiras representando seus países. Vamos perder o
controle do Brasil. Ele não tinha o direito de fazer isso. Estamos falando de
um patrimônio natural que pertence a nós. Era para se fazer um plebiscito ou
algo do gênero antes de uma decisão como essa. O pré-sal não se descobre em
qualquer país do mundo. O Brasil vai ser saqueado mesmo tendo um mercado
interno riquíssimo. A reação precisa ser rápida porque o sistema de produção é
gigantesco e estamos falando de um produto estratégico e que precisa ser
propriedade de gestão do Estado.