Fazenda Ubá - Vassouras

Ali havia um empório bastante modesto onde se podia descansar...

 31/05/2019     Historiador Sebastião Deister      Edição 244
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A Fazenda de Ubá - origem do atual Distrito de Andrade Pinto, hoje pertencente ao Município de Vassouras - transformou-se em um ponto de referência agrícola e social no Vale do Paraíba em especial no século XIX, quando foi visitada, em 1816, pelo célebre viajante e historiador Auguste de Saint-Hilaire.         

Para conhecermos um pouco da vida que corria nas cercanias de Ubá no último quartel do século XIX, nada como tomar as palavras do memorialista francês Charles de Ribeyrolles, que a visitou e a descreveu em seus cadernos de viagem.

Segundo ele, a barca de Ubá, no Paraíba, configurava o primeiro pouso encontrado desde as terras de Valença. Ali havia um empório bastante modesto onde se podia descansar, desde que os viajantes e suas montarias não fizessem muitas exigências. Para Ribeyrolles, mostrava-se mais adequado seguir até a chamada propriedade do Casal, uma dependência principal e mais confortável da fazenda principal, e de seu pequeno ancoradouro atravessar numa balsa por debaixo das casas alinhadas sobre um cabeço ou grande barranco que margeava as águas do rio Paraíba do Sul. Para o viajante francês, não foi uma viagem tranquila ou interessante, visto que após oito horas a cavalo seus rins estavam terrivelmente doloridos e o enfrentamento de um forte temporal de verão, os espinheiros da estrada e o calor quase asfixiante depois da chuva tinham levado todos os cavaleiros e uma quase exaustão.

Ribeyrollles registrou que, quando as águas do rio Paraíba estavam a meia altura, podia-se tentar a passagem de canoa. Mas como as terras se mostravam muito baixas, por vezes desciam grandes enxurradas dos morros em direção ao rio que, subitamente cheio, transbordava e se tornava um vasto lago cheio de correntezas encrespadas capazes de despedaçar embarcações mais frágeis.

Ribeyrolles enfatiza:

"De Ubá, fazenda de repouso e cortesia, à Vila da Paraíba, é mister costear o rio e seguir os atalhos mal abertos. Em duas horas chega-se à balsa do Barão da Paraíba, cuja bela e abastada habitação ostenta um palacete na outra margem (...) Como terra e construções, é uma das mais famosas propriedades da Província (...) Ali os visitantes encontram cordial agasalho. Mas se o rio transborda, a balsa torna-se inútil e se é forçado, como aconteceu à nossa caravana, a acompanhar a margem esquerda até a Vila. Este caminho, que se perde entre os arbustos e as ervas mais altas, tem seus perigos, como os que serpeiam ao longo dos morros. Há tremedais, pântanos, atoleiros, e é preciso acautelar as bestas."

Segundo ainda Ribeyrolles, a feitoria de Ubá não se elevava a mais de 600 pés (cerca de 240 metros) acima do nível do mar, mas o calor aí era tão forte como no Rio de Janeiro e as terras se mostravam muito boas para a cultura da cana-de-açúcar. Aliás, Auguste de Saint-Hilaire deixara registrado que o nome Ubá derivava de uma alta gramínea, que cresce à beira d'água, comum às vizinhanças de um rio próximo à casa em que ele se hospedara.

A Fazenda de Ubá data mais ou menos do começo do século XIX. Ribeyrolles assegura que ali, como em Valença e Vassouras, não havia outra coisa senão pântanos e matas virgens, quando, no ano de 1801, José Rodrigues da Cruz (o mesmo que, anos antes, administrara Pau Grande ao lado de Luís Gomes Ribeiro) fundou o primeiro estabelecimento fazendário naquela área. Ato contínuo, engenhos, moinhos, casas de trabalhadores e estábulos levantaram-se em torno da propriedade e agruparam-se rapidamente, formando a base dos trabalhos da família na região. 

Importante lembrar que a região de Ubá abrigava um interessante plantel indígena. Segundo os historiadores citados, os índios não eram hostis. Estimavam José Rodrigues que os abastecia com liberalidade e a quem eles chamavam o Grande Capitão. O chefe chamado Bocamã era-lhe devotado, e o hábil lavrador teria realizado o seu sonho - uma colônia de indígenas pacíficos e laboriosos - se Bocamã não morresse, deixando a tribo sem direção, sem conselho e entregue aos portugueses vizinhos, que os atormentavam o quanto podiam, e às moléstias que os dizimavam. Dentro em pouco, não restava um só índio. Anteriormente, alguns refugiaram-se em Conservatória (chamada A Reserva), como o fizeram os de Valença, e só reapareceram por longos intervalos, para esmolar um pouco de cachaça - a água de fogo (aguardente). Vivia ainda em Ubá, quando da passagem do viajante, um desses índios, talvez o último de sua geração. Nunca deixou os domínios de Rodrigues da Cruz, gozando a atenção de seus novos senhores.

Em 1806, João Rodrigues Pereira de Almeida, sobrinho de Rodrigues da Cruz, comprou as terras de seu tio. Fez novas construções, melhorou a usina e os moinhos, edificou a habitação que hoje é a casa patrimonial e incrementou as culturas: o café na fazenda Casal, lá pelas bandas de Santa Thereza (Rio das Flores), e o açúcar em Ubá. João Rodrigues não era apenas um agricultor. Era um homem de estudos e de sociedade. D. Pedro I o fez mais tarde barão de Ubá por serviços prestados à Nação. Foi ele que Saint-Hilaire saudou em seu relato pela hospitalidade cortês que recebeu ao longo dos dias de sua visita à região.

Embora histórica e geograficamente muito mais próximo de Paraíba do Sul do que de Vassouras, o logradouro de Ubá, posteriormente denominado Andrade Pinto, passou a compor o território municipal vassourense e não o paraibano, mantendo-se até os dias atuais como um distrito da famosa Cidade dos Barões.

 

Fonte principal: Brasil Pitoresco - Charles de Ribeyrolles