Voltei de licença-maternidade. E agora?
Uma conversa sobre carreira e maternidade, inclusão e diversidade
07/06/2019
Planeta Colabora
Edição 245
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Foto - Maternidade e carreira:
o que as empresas podem e devem fazer rumo à equidade real de gênero (Foto: AFP,
Emely, Image Source)
Por Natália Públio*
Fui demitida na semana do Dia
das Mães. Perto de completar nove anos na companhia, o anúncio chegou exatos quatro
meses depois de retornar de licença-maternidade.
A demissão, em uma primeira análise, poderia ser apenas mais uma que engrossa
as estatísticas de desempregados no país. Mas as justificativas e o momento da
decisão apontam a necessidade de uma urgente discussão.
A empresa em que trabalhei tem
um plano de carreira digno de benchmark, mas, no meu retorno, perdi espaço em
projetos importantes e apontei isso. Ouvi que "está
tudo bem, você continua sendo importante para a área!".
Trabalhei com líderes
admiráveis e sempre acreditei na cultura excepcional que gerou tantos
reconhecimentos de mercado (ranking GPTW, prêmios entregues na ONU, cases de
destaque). Eu trabalhava remoto sempre que possível e isso me ajudava a
garantir um certo equilíbrio. Era um dos pontos que me fizeram permanecer na
empresa por tantos anos e sonhar que era possível conciliar tantos desafios.
"Tentei
não chorar, pois uma mulher chorando no ambiente corporativo só evidencia sua
inabilidade de lidar com a pressão - bullshit"- Natália
Públio
No momento do anúncio, ouvi
que não me encaixava mais no desenho da área, que não estava no ritmo, não
estava correspondendo. Frente a irreversível
decisão, me senti frustrada, decepcionada, sem voz e veio o gosto amargo de
quem estava sendo rejeitada. Tentei não chorar, pois uma mulher chorando no
ambiente corporativo só evidencia sua inabilidade de lidar com a pressão -
bullshit!
Das mulheres que retornam de
licença maternidade, 48% perderão seus empregos em até 12 meses. A pesquisa é
da FGV. A cada duas mulheres, uma estará nas ruas antes que seu bebê saia das
fraldas.
Dados do Ipea apontam que de
cada 10 mulheres que poderiam estar economicamente ativas, 4 não conseguem se
colocar disponíveis para uma ocupação. Mesmo havendo inúmeros avanços no
mercado de trabalho e as mulheres sendo maioria nos cursos de graduação, é
preciso discutir o que tem impedido a presença feminina nas empresas ?
agravando-se no recorte de cargos de liderança.
De acordo com o estudo da FGV,
a presença de um filho pequeno na família é um dos fatores responsáveis pela
baixa participação das mulheres no mercado de trabalho. O percentual de
mulheres empregadas entre 25 e 44 anos e com um filho de até um ano de idade
cai de 60% para 41% e apenas 3 em cada 10 dessas
mulheres, 28%, trabalham mais de 35 horas por semana.
"É
preciso uma tribo inteira para cuidar de uma criança. Isso passa por políticas
públicas, pelas instituições, pela sociedade civil, pelas empresas" - Natália Públio
Se já são poucas as que
conseguem trabalhar ? como aponta o Ipea ? e as que se tornam mães são
demitidas, fica evidente que a desigualdade só se agrava. Quando atingiremos a
equidade de gênero?
Esta pergunta tem resposta no
estudo do Fórum Econômico Mundial: serão necessários 217 anos para
conquistarmos paridade no trabalho aqui no Brasil. Isso é resultado do ritmo
lento com que temos evoluído.
O ônus da maternidade na
carreira é uma das faces mais cruéis do sistema patriarcal. Discutimos tanto a
dificuldade de conciliar carreira e maternidade e não debatemos carreira e
paternidade. "Acho que eu deveria abrir mão do trabalho e me dedicar
exclusivamente a ser pai". Quantos homens você já viu tendo essa discussão?
Vivendo esse conflito ou sendo julgados pela decisão que tomaram?
É preciso um olhar de respeito
ao papel da profissional mãe, de como ela usa seu tempo e concilia sua
maternidade com sua carreira. Mães que decidem seguir as orientações da
Organização Mundial de Saúde e amamentam seus filhos por dois anos ou mais e
que muitas vezes ordenham seu leite no estacionamento ou no banheiro das
empresas. Mães que estão sobrecarregadas com o cuidado da casa, que ainda é, na
maioria esmagadora, responsabilidade feminina. Não leem tantos livros quanto
gostariam nem fazem tanto networking quanto necessário. Enfrentam limitações
para aceitar agendas fora do horário comercial e assumir projetos que incorrem
em viagens. Estão muito ocupadas formando seres humanos.
O ganhador do prêmio Nobel de
economia James Heckman criou uma equação que demonstra que a cada US$ 1
investido na primeira infância, US$ 7 retornam na vida adulta. Os benefícios
são resultado de doenças evitadas, queda nos índices de violência e evasão
escolar, além de ganhos no desempenho escolar, com ganhos diretos para o PIB e
para a sociedade.
Países nórdicos encaram os
filhos como projeto de país, e não projetos pessoais. A licença parental de 480
dias na Suécia tem como fundamento o princípio da importância dos primeiros
1000 dias.
Finalizo com a visão da
urgente necessidade de desconstruir que o cuidado é responsabilidade da mãe,
pelo elo biológico. É preciso uma tribo inteira para cuidar de uma criança.
Isso passa por políticas públicas, pelas instituições, pela sociedade civil,
pelas empresas.
Líderes: sua empresa tem
adotado indicadores para medir a inclusão e diversidade em sua companhia?
Ótimo, está dando passos para acelerar essa dura jornada pela equidade. Porém,
além do olhar atento aos processos seletivos para garantir as mesmas chances,
trabalhe para garantir condições para que as mulheres possam permanecer em suas
posições ? e crescer.
*Natália Públio é mãe da
Larissa e do Felipe. Formada em Comunicação Social pela Escola Superior de
Administração, Marketing e Comunicação, tem 17 anos de experiência em marketing
corporativo e relações públicas. Gosta de enfatizar que, pelo potencial de
impacto na sociedade, seus maiores projetos até hoje são seus dois filhos.
*Este texto foi originalmente
publicado no site Mães em Redes e gentilmente cedido ao #Colabora