Fazenda Santo Antônio do Paiol - Valença
A fazenda chegou a ter um plantel formado por mais de 600 cativos a preços bem reduzidos.
05/07/2019
Historiador Sebastião Deister
Edição 249
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Ao tempo em que muitas
áreas formadoras do atual município de Valença eram simplesmente consideradas
como terras devolutas, João Soares Pinho buscou ali se estabelecer no ano de 1807,
após receber uma Provisão Especial do Reino. Assim, no coração de uma vasta
sesmaria concedida em 1814, surgiu a Fazenda Santo Antônio do Paiol, adquirida
alguns anos depois por Francisco Martins Pimentel, pai do futuro visconde de
Pimentel (Joaquim Gomes Pimentel).
No ano de 1850, no
Oratório de Santa Teresa (origem da Igreja de Rio das Flores), uma das filhas
de Francisco - de nome Francisca Martins Pimentel - casar-se-ia com Manoel
Antônio Esteves, recebendo como dote a Fazenda Santo Antônio do Paiol. Cinco
anos após o enlace, com a morte de Francisco e com sua fortuna
consideravelmente aumentada, Esteves iniciou a construção de uma nova casa
grande, na qual introduziu todos os requisitos e confortos então exigidos em
uma grande propriedade do ciclo do café.
A fazenda, implantada de modo elegante no alto de uma elevação, está
localizada à margem da rodovia RJ-145 (que conecta Valença à Rodovia Lúcio
Meira, esta já no município de Barra do Piraí), sendo possível ao viajante avistar
a casa grande e sua longilínea palmeira imperial. Devido à topografia peculiar
da colina onde foi levantada a propriedade, sua arquitetura apresenta, nas
fachadas frontal e lateral, o típico aspecto de um grande sobrado, ao passo que
sua área de fundos possui uma estrutura térrea.
Ativo e proficiente,
Manoel Esteves duplicou seus cafezais, adquirindo em seguida outras fazendas
vizinhas e até mesmo levantando algumas vivendas por conta própria, entre elas
São Manuel, Ribeirão, Santa Catarina, São Francisco, Nazaré e Boa Vista.
Negociante hábil e esperto, o latifundiário eliminou intermediários nas
transações de escravos e passou pessoalmente a comprar os negros mais sadios
que encontrava nos portos de Santos e do Rio de Janeiro através de sua promissora
empresa chamada Esteves & Filhos. Com isso, chegou a ter em seus solares um
plantel formado por mais de 600 cativos a preços bem reduzidos, economizando
dinheiro de uma forma tão inteligente que, com seus lucros dobrados, conseguiu
tornar-se também um respeitável comissário de café no Rio de Janeiro, além de abastado
e respeitável fazendeiro. Por conseguinte, transformou-se em uma figura tão
proeminente no vale do café que logo se viu compelido a se empenhar nos
projetos que buscavam viabilizar a implantação da Estrada de Ferro União
Valenciana. Com a ferrovia, as atividades econômicas e financeiras de Valença
tornaram-se ainda mais robustas, e por essa razão Esteves viu-se alçado à
condição de primeiro presidente da empresa. Por seu trabalho em benefício da
região, logo recebeu do Governo Imperial a ambicionada Comenda da Ordem da
Rosa.
Recorrendo a históricos
documentos ainda resguardados na própria fazenda, ficamos sabendo que
"(...) Manoel
Antônio Esteves morreu em sua casa no Rio de Janeiro em 1879, no auge de seu
prestígio e da fortuna que legou aos filhos. Sucedeu-lhe na administração dos
negócios o filho Francisco Martins Esteves, pessoa de cultura e saber, de
hábitos refinados, amante de música clássica e de ópera. Residiu em Paris por
algum tempo, após se casar com Ana Carolina, filha do conselheiro e ministro do
Império Zacarias de Góes e Vasconcelos. Retornando ao Brasil, trabalhou na
Comissaria de Café e na Fazenda Santo Antônio, sem demonstrar gosto ou
inclinação para o mundo dos negócios. Administrando a fazenda como era possível
e já enfrentando os contratempos que sucederam a derrocada do ciclo do café, Francisco
adquiriu partes dos demais herdeiros e fixou-se definitivamente na propriedade,
que passou a gerir juntamente com o filho, Marcos Zacarias Manoel Esteves, e depois
seu sucessor na fazenda já em franca decadência (...)"
Cercados por grandes dificuldades,
os Esteves enfim se desfizeram da maior parte de suas terras, tentando com isso
manter algumas de suas benfeitorias. Marcos morreu precocemente em 1941, e sua
esposa Francisca Olympia Alves de Queiroz Esteves - administrando uma fazenda
praticamente falida, sem renda e com o patrimônio em terras muito reduzido -
viu-se obrigada a lutar com todas as forças no sentido de preservar o acervo
móvel e imóvel da combalida propriedade, assumindo o admirável compromisso de
manter para sempre viva a memória de Marcos, em particular, e dos Esteves, em
geral.
Em 1969, idosa,
cansada, doente e ciente de que não poderia prosseguir em seu louvável
propósito de manter a Santo Antônio, D. Francisca decidiu-se por doá-la a uma
entidade religiosa denominada Don Orione (Congregação da Pequena Obra da Divina
Providência), buscando com tal atitude manter intactos tanto a propriedade
quanto os históricos pertences dos Esteves.
Em 1990, o empresário
carioca Rogério Vianna e sua esposa Maria Alice arrendaram a Santo Antônio do
Paiol, nela implementando uma reforma de grandes proporções que contemplou, em
especial, a chamada casa-grande. Além da restauração de seu riquíssimo
mobiliário, o casal dedicou especial atenção à recuperação do vasto patrimônio
documental até então inacessível aos olhos de pesquisadores e historiadores,
trazendo às luzes do novo século a magnífica história daquela centenária
propriedade.
Externamente, o casarão
é cercado por um jardim em estilo inglês, cujo projeto é atribuído ao célebre
paisagista francês Auguste François Marie Glaziou. Por outro lado, o sobrado é
mobiliado com móveis da época, a maioria em estilo Império Francês, ocupando
seus 25 cômodos. Outra atração interessante de seu acervo é a farta
documentação sobre a família Esteves. São cerca de 700 documentos, entre
periódicos, livros, fotos e raros registros de escravos, estes últimos
proibidos de existir após a Abolição da Escravatura. Em tais registros aparecem
o nome do escravo, sua origem e sua aptidão para o trabalho. Já no porão está
exposta uma farmácia completa, também usada pelos escravos.
A Fazenda Santo Antônio
do Paiol voltou à administração da Ordem Dom Orione em 2000, mas através de
trabalhos em sociedade com o Instituto PRESERVALE busca agora retomar as
atividades turístico-culturais iniciadas por Rogério e Maria Alice Vianna.
Tamanha foi a
importância da fazenda Santo Antônio do Paiol e da família Esteves para
Valença, que o setor geográfico em cujo interior ergue-se a propriedade foi
adequadamente batizado como Bairro Esteves pela municipalidade valenciana.
Fonte Principal:
Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense