Fazenda São Paulo Conservatória, município de Valença
A fazenda contava com um cafezal de 550.000 pés, 400 alqueires de feijão e 300 alqueires de arroz, além de dispor de 176 escravos
26/07/2019
Historiador Sebastião Deister
Edição 252
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A estrada de acesso à Fazenda São Paulo está numa cota geográfica mais
elevada, tendo-se, a partir dela, a visão panorâmica de seu conjunto com as construções
bem visíveis, destacando-se os dois patamares que configuram sua parte
funcional. A paisagem que emoldura o casarão é marcada pela topografia de morros
meia laranja, onde predomina uma rala pastagem, comum na geografia regional. A frente
da fazenda também é caracterizada pela confluência de dois cursos d'água, ou
mais exatamente o rio Rochedo recebendo o ribeirão São Fernando.
Construída em uma encosta, a casa-grande apresenta fachadas com um e
dois pavimentos. Embora tenha acesso por suas quatro faces, aquelas com dois
pavimentos (frontal e lateral esquerda) se destacam por possuírem um acabamento
mais requintado, como cunhais em relevo, esquadrias mais trabalhadas e uma rica
cimalha como coroamento. Ambas possuem, centrada, uma larga portada no piso
inferior, que leva a escadas de acesso ao pavimento nobre. A planta baixa do
solar fecha-se num retângulo, com um pequeno pátio ao centro marcado por um
chafariz decorado com dois golfinhos e para onde se abrem algumas portas em
arco gótico e a varanda que percorre o bloco do fundo e a lateral direita.
De fato, a
sede da fazenda - na verdade, um casarão construído no início do século XIX -
caracteriza-se pela imponência e originalidade de suas janelas em estilo
neogótico e de suas portas voltadas para os espaçosos terreiros de café, um dos
quais, atualmente, encontra-se ajardinado. No segundo pavimento, localiza-se a
área intima da casa, compreendendo vários quartos, diversas salas, numerosas
alcovas e uma belíssima capela consagrada a São Paulo. Em um pequeno pátio
quadrado montou-se com muito bom gosto um simpático jardim interno.
Seus compartimentos principais ficam localizados no bloco da fachada
frontal e na lateral esquerda, sendo bastante provável, pela configuração, que
a casa apresentasse, inicialmente, somente esses dois blocos formando um "L". A
hipótese ganha coerência por conta do sistema construtivo e em função da
própria arquitetura das demais partes da casa, que mostram diversos acréscimos.
Os mais evidentes são os encaixes dos prolongamentos dos panos de cobertura.
Percebe-se que a trama da cobertura da cozinha fecha em tacaniças (lance
do telhado que cobre ou resguarda os lados da edificação e se apoia nas paredes
laterais), usualmente utilizadas em empenas de fundos, levando a crer que se
tratava do ponto final da casa em uma época passada.
Os
primeiros ocupantes das fecundas terras onde se localiza a notável Fazenda São
Paulo, em Conservatória, faziam parte da família de Francisco Dionísio Fortes
de Bustamante, o mesmo sesmeiro que construiu a imensa Fazenda Santa Clara, em
glebas de Santa Rita de Jacutinga (MG). Descendente de uma influente e rica
família oriunda de São João d'El Rei - onde seus parentes administravam minas
de ouro e imensas áreas agrícolas - Dionísio estabeleceu-se nas futuras terras
valencianas em 1780.
Casado com
D. Joaquina Felisberta, Francisco Dionísio gerou quatro filhos legítimos, a
saber: Francisco Theresiano Fortes de Bustamante, Antônio Joaquim Fortes de
Bustamante (formado em Leis pela Universidade de Coimbra e mais tarde indicado
como Desembargador), Isabel Henriqueta Fortes de Bustamante e Eleuthéria
Claudina Fortes de Bustamente.
Antônio Joaquim Fortes de Bustamante
responsabilizou-se, em 1817, pelas obras iniciais de construção da sede da
Fazenda São Paulo e também pelas suas primeiras plantações de café. A exemplo
de muitos outros grandes latifundiários da época, Antônio Joaquim prestou
grande solidariedade à comunidade adstrita ao rio Preto - na divisa Rio de
Janeiro/Minas Gerais -, colaborando decisivamente para a criação da Paróquia de
Nosso Senhor dos Passos de Rio Preto (Resolução de 14 de julho de 1832), e
interferindo, com seu imenso prestígio, para a adoção dos atos de criação dos
distritos de Rio Preto, Santa Rita de Jacutinga e Santa Bárbara do Monte Verde,
hoje inseridos no Estado de Minas Gerais.
De sua união matrimonial com D. Orminda
Constança Fortes, vieram à luz apenas dois filhos: Adriano Fortes de Bustamante
e Antônio Fortes de Bustamante.
A morte surpreendeu Antônio Joaquim
em 7 de maio de 1870. Os autos do Formal de Partilha permitem avaliar a grande
riqueza acumulada pelo Desembargador ao longo de sua vida. Quando de sua morte,
a fazenda contava com um cafezal de 550.000 pés, 400 alqueires de feijão e 300
alqueires de arroz, além de dispor de 176 escravos. O conjunto de construções
em torno da casa-grande compreendia senzala, tulha, enfermaria para escravos,
engenhos para socar café, moer a cana e produzir farinha de mandioca, além de outros
moinhos, alambique, múltiplas oficinas para trabalhos em madeira e ferro,
plantações variadas, estrebarias e paióis.
Em 1915 - enfrentando todos os percalços advindos
da Abolição - os herdeiros de Antônio Joaquim Fortes de Bustamante resolveram
vender a fazenda. Esta foi então adquirida por um grande empresário da época, o
Coronel Manoel Cardoso, que se tornou não apenas um dos maiores produtores de
café da época como ainda dono de algumas fazendas vizinhas, tais como São
Fernando, São Francisco e Capoeirão.
Segundo a historiadora Leila Vilela
Alegrio,
"Após a crise de 1929, também o
Coronel começou a passar por dificuldades. Nessa mesma ocasião, apoiou a
candidatura do Dr. Júlio Prestes à Presidência da República e associou-se à
Companhia Magalhães, Cardoso e Ltda. Seis anos mais tarde, em 1935, a fazenda já
pertencia somente à família Magalhães. Em 1990, a propriedade foi
vendida para uma empresa cujos administradores vêm recuperando toda a
construção da sede, que, inabitada desde 1915, perdera parte de suas paredes e
telhado".