Até de um furacão é possível se prevenir
As lições de Nova York para o Rio sobre como minimizar tragédias e salvar vidas
03/05/2019
Planeta Colabora
Edição 240
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Foto 1 - Bombeiros trabalham no rescaldo de um incêndio provocado pelo
furacão Sandy em Nova York (Foto: Spencer Platt/Getty Images/AFP)
Eu vi. Estava em Nova York quando a cidade viveu a pior tragédia natural
de uma geração. Foi a passagem do furacão Sandy, um choque para os
nova-iorquinos, mas muito menos assustador para cariocas acostumados com as
tempestades do Rio. Bem ao estilo de Manhattan, antes da hora marcada para o
furacão chegar, numa terça-feira de tarde, as academias estavam cheias como
nunca e os supermercados lotados de gente se abastecendo para enfrentar Sandy.
Todos sabiam a hora exata em que deveriam ir para casa e se proteger da fúria
da natureza. Era impossível não ter informações sobre a velocidade dos ventos a
cada hora, o pico da enchente nas ruas na hora da maré cheia, a possibilidade
de corte de luz, as medidas de prevenção a serem tomadas por cada um.
"A preocupação maior era salvar vidas,
prejuízos à economia com a cidade parada ficaram para ser contabilizados
depois"
Sem dó nem dúvidas, prefeito e governadores dos estados fronteiriços
suspenderam a circulação de todo o transporte público desde 17 horas de
domingo, proibiram táxis e carros nas ruas na terça, obrigaram todos os
moradores em zona de perigo a sair de casa para abrigos ou casa de amigos:
"Eles vão adorar ter vocês para jantar", disse Michael Bloomberg, o prefeito
cool da época.
Foto 2 - Ônibus atingido por uma árvore durante as fortes chuvas que
atingiram o Rio na última segunda-feira (Foto: Carl de Souza)
Manhattan virou uma ilha de novo: ficou sem trem, ônibus, metrô, com
pontes, túneis e aeroportos fechados. O prefeito não saia da televisão,
explicando com detalhes a preparação da cidade. "Não dirijam, fiquem onde
estão", repetiu como um mantra o Bloomberg no dia do furacão. "Não questionem
as instruções", reforçou o então presidente Barack Obama.
A preocupação maior era salvar vidas, prejuízos à economia com a cidade
parada ficaram para ser contabilizados depois. Claro que Sandy deixou um rastro
de destruição e mexeu com a vida de milhões de pessoas. Houve mortes, uma delas
de um garoto que foi passear no parque com o cachorro e a árvore caiu na cabeça
dele. Mas houve outras, provocadas pela subida do mar no sul da ilha e nas
redondezas que inundaram casas e causaram mortes. Abaixo da Rua 42, a energia
foi cortada por dois ou três dias, a internet caiu, uma grua ameaçou despencar
em Times Square. Podia ser pior: informações detalhadas ajudaram a controlar o
pânico e a diminuir a dimensão da tragédia. Sem medo de ser porta-voz de más
notícias, governadores de estados vizinhos e prefeito prestaram contas do que
acontecia em entrevistas, pelo menos duas vezes por dia, entrando ao ar até
tarde da noite
O potencial de destruição de um furacão é maior do que o das nossas tempestades.
É dramático em Nova York e no Brasil.
Mas evitou-se o que era evitável: ônibus sendo levados pelas águas,
milhares presos no trânsito, famílias inteiras soterradas em deslizamentos de
encostas.
Era época de campanha eleitoral e a violência de Sandy amainou as brigas
entre candidatos, mesmo com a política não saindo de cena. Obama, candidato à
reeleição, reassumiu o estilo presidencial, sem disfarçar olheiras e magreza
típicas de campanhas. Da "situation room", espaço simbólico das reuniões com
militares, comandou a resposta ao furacão, assinou decretos de emergência,
liberou recursos aos estados e telefonou pessoalmente para os governadores, sem
distinções de filiações partidárias. "Não aceito burocracias", advertiu,
garantindo todo o necessário para a vida voltar ao normal.
Nos e-mails à militância, pediu doação para a Cruz Vermelha em vez de
dinheiro para a campanha. O Air Force One também mudou de rota: saiu dos comícios e fez viagens aos lugares
atingidos por Sandy. Os eleitores de um e outro candidato empilhavam arroz e
água para as vítimas do furacão nos lugares em que atos de campanha estavam
programados.
O medo lá é temperado pelo sentimento de confiança na preparação da
cidade para enfrentar a natureza em fúria. Já aqui, vivemos o pânico com o
abandono da cidade e o descaso com a vida dos cidadãos.