Exame de DNA revela captura de peixes ameaçados de extinção
Pesquisadores da Unifesp, Unisanta e Unesp alertam para necessidade de fiscalização mais efetiva da atividade pesqueira no Brasil
15/11/2019
Planeta Colabora
Edição 268
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André Julião*
Com baixo valor comercial, as raias são
frequentemente capturadas em grande quantidade ao ficarem presas,
acidentalmente, nas redes de pescadores que buscam outras espécies mais
valorizadas. Embora involuntária, um novo estudo indica o impacto da pesca de
raias na biodiversidade marinha. Análises genéticas de 228 raias capturadas por
pescadores artesanais e por pequenos barcos industriais no Sudeste do Brasil
entre 2012 e 2018 mostram que 101 faziam parte da lista de espécies globalmente
ameaçadas de extinção e 131 têm a pesca e comercialização proibidas no país.
O estudo, realizado por pesquisadores da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade Santa Cecília
(Unisanta) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), foi publicado na
revista Genes. O trabalho alerta para a necessidade de uma fiscalização mais
efetiva da atividade pesqueira no Brasil e demonstra o potencial da aplicação
de técnicas genéticas para realizar estatísticas pesqueiras mais precisas e de
maior qualidade.
Uma vez que muitas espécies são bastante
semelhantes entre si ou que são retalhadas ou processadas pelos pescadores
antes do desembarque, torna-se impossível fazer a identificação precisa do que
é pescado apenas pelas características externas dos animais. "As raias são animais bastante negligenciados
em termos de pesquisa e os poucos trabalhos produzidos mostram a fragilidade
dessas populações. Além disso, quase não há fiscalização da pesca e as fraudes
ocorrem com bastante frequência", disse Fernando Fernandes Mendonça,
professor do Instituto do Mar da Unifesp e coordenador do estudo.
O material foi colhido e as análises foram realizadas
como parte de um projeto apoiado pela FAPESP. O objetivo foi criar um banco
genético de elasmobrânquios do Brasil, grupo de peixes composto por raias e
tubarões. "Fomos além e hoje temos
amostras praticamente do mundo inteiro", disse Mendonça.
As coletas ocorreram durante o desembarque de
barcos de pesca artesanal e industrial, de pequeno e médio porte, que atuam ao
longo do litoral do estado de São Paulo. Os pesquisadores retiraram pequenos
pedaços de músculos e de nadadeiras das raias capturadas a fim de realizar as
análises de DNA. "Muitas vezes as raias
já estavam cortadas. É uma prática que serve para facilitar a conservação do
pescado a bordo, mas também para burlar uma eventual fiscalização", disse
Bruno Lopes da Silva Ferrette, primeiro autor do artigo e que atualmente está realizando
estágio de pós-doutorado na Unisanta, em Santos.
"As raias são animais bastante
negligenciados em termos de pesquisa e os poucos trabalhos produzidos mostram a
fragilidade dessas populações. Além disso, quase não há fiscalização da pesca e
as fraudes ocorrem com bastante frequência" - Fernando
Fernandes Mendonça, professor do Instituto do Mar da Unifesp e coordenador da
pesquisa.
No mundo, pelo menos 90% das espécies de
elasmobrânquios estão na lista vermelha de espécies ameaçadas da União
Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), índice
que é referência global no assunto. Para identificar as espécies capturadas, os
pesquisadores utilizaram o protocolo de código de barras de DNA (DNA barcoding).
Trata-se do sequenciamento do gene mitocondrial Citrocromo C Oxidase I (COI),
padrão para identificação de espécies animais. As sequências geradas pela
pesquisa foram então comparadas com as depositadas em um banco de dados
genéticos on-line, o Barcode of Life Database (BOLD).
A comparação levou à identificação de pelo
menos 17 espécies, sendo que quatro foram as mais representadas, compondo
46,49% das amostras: raia-santa (Rioraja agassizii), raia-amarela (Myliobatis
freminvillei), raia-borboleta ou raia-manteiga e a raia-ticonha (Rhinoptera
brasiliensis), espécie endêmica do Brasil, muito semelhante a outra raia do
mesmo grupo, a Rhinoptera bonasus, que também foi representada na
análise, com 15 indivíduos.
Além disso, 44,3% de todas as amostras
pertenciam a espécies com algum grau de ameaça na lista vermelha da IUCN,
enquanto 57,47% são protegidas pela portaria nº 445 de 2014 do Ministério do
Meio Ambiente, que proíbe sua pesca e comercialização. Uma delas, a Pseudobatos
horkelii, é de uma das espécies conhecidas como raia-viola, que ocorre
exclusivamente no Brasil e já teve um declínio de 80% de sua população graças à
ação humana.
Espécies visadas
Durante a pesquisa, foram capturadas ainda
três exemplares de Mobula, uma das espécies conhecidas como raia-manta
ou raia-jamanta devido aos mais de dois metros que pode ter de envergadura.
Muito cobiçada pelo mercado asiático por conta de suas guelras, a espécie é
listada no apêndice II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies
da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), acordo do qual o
Brasil é signatário desde 1975.
Outros 21,5% da amostra pertencem a espécies
listadas na categoria Deficiente de Dados, na qual nem sequer há informações
disponíveis para determinar seu risco de extinção. Além disso, não foi possível
identificar a espécie exata de 39 exemplares do gênero. "Há algumas possíveis razões para isso. Podem ser espécies ainda não
descritas formalmente, algumas delas sem dados de referência em bancos de dados
genéticos devidamente depositados ou mesmo espécies tão próximas geneticamente
que apenas a técnica do DNA barcoding, que utiliza apenas um gene, não consegue
diferenciá-las", disse Ferrette.
Para os pesquisadores, os resultados mostram a
necessidade de uma fiscalização mais efetiva e a retomada de estatísticas
pesqueiras, utilizando técnicas modernas que permitam saber o que está sendo
retirado e em que quantidade dos mares brasileiros. Segundo os autores do
estudo, há pelo menos 10 anos não há informe das estatísticas pesqueiras
brasileiras em nível nacional, ficando a critério de cada estado fazer esse
tipo de levantamento. Porém, mesmo os que o realizam, como o estado de São
Paulo, não há dados detalhados do pescado em nível de espécie, mas em
categorias genéricas como cação, raia, pescada, entre outros. "Isso compromete severamente os esforços para
a gestão sustentável da atividade pesqueira", disse Ferrette.
Os autores propõem que ferramentas genéticas
de menor custo, como o PCR (reação em cadeia da polimerase) multiplex, PCR em
tempo real (qPCR) ou mesmo metodologias de nova geração, como o metabarcoding,
possam ser usadas para fazer análises em algumas amostragens nos desembarques
de frotas industriais e mesmo artesanais no litoral. Com isso, seria possível
conhecer melhor o impacto da pesca, melhorar a qualidade das estatísticas
pesqueiras e fomentar a elaboração de planos de manejo mais precisos e bem
fundamentados.
Foto 1 - Raia-viola utilizada no estudo: sequenciamento de DNA de raias
pescadas no Sudeste indica que mais da metade estão em listas de espécies
protegidas (Foto: Bruno Ferreti/Fapesp)
*Agência FAPESP