Fazenda São João da Prosperidade Ipiabas - Barra Do Piraí
A Fazenda São João da Prosperidade iniciou suas atividades pelas décadas de 1820 e 1830, época em que o café já despontava com força na região Sul Fluminense
15/11/2019
Historiador Sebastião Deister
Edição 268
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Os registros históricos
dão como certo que a Fazenda São João da Prosperidade, em Barra do Piraí,
iniciou suas atividades pelas décadas de 1820 e 1830, época em que o café já
despontava com força na região Sul Fluminense em razão das benesses do Reino, que
então distribuía sesmarias a mãos cheias pelas áreas circunscritas pelos rios
Preto, Piraí e Paraíba do Sul. Por conseguinte, Antônio Gonçalves de Moraes - o
Capitão Mata Gente - passou a investir em plantações periféricas ao atual
território de Piraí, principalmente depois de se casar com Rosa Luísa Gomes,
filha do barão de Mambucaba (José Luís Gomes), dono das fazendas Santa Maria e
Ponte Alta. Antônio Gonçalves de Moraes, filho do barão de Piraí, ainda possuía
a Fazenda Braço Grande (atual Ibitira), doada a seu filho José Gonçalves de
Moraes em 1843.
O Capitão Mata-Gente faleceu em 1876, e nos autos do seu inventário é
possível constatar que o monte-mor (conjunto de bens de uma herança) chegou à
cifra extraordinária de Rs. 1:699$800 (um conto, seiscentos e noventa e nove
mil e oitocentos réis), fazendo parte de tal fortuna as terras das fazendas São
Félix, São João da Prosperidade e Fazenda Velha, além do sítio do Viana e uma
casa na rua Conde d'Eu, no Rio de Janeiro. Para que se tenha ideia do plantel
escravo que ele mantinha em suas vastas propriedades, basta dizer que só na
Prosperidade trabalhavam 214 negros que ali cultivavam 256 mil pés de café.
De acordo com
escrituras passadas no Cartório de Ipiabas, no mesmo ano de 1843 Antônio
Gonçalves de Moraes comprou um sítio batizado como Barra do Rio. Dez anos
depois, patrocinou a construção de uma ponte sobre o rio Piraí, com isso dando
início ao povoado de São Benedito, origem da cidade de Barra do Piraí. Como
curiosidade, podemos lembrar que José Antônio de Moraes, o barão de Piraí, era
filho de pai homônimo, cujo apelido era "Cabeça de Cuia". Segundo a lenda, esta
designação pejorativa derivava do fato de que José, durante suas andanças pelas
matas como sertanista, lutara com uma onça que, numa violenta patada,
arrancara-lhe parte da calota craniana. De uma forma ou de outra, o valente
português conseguiu estancar a hemorragia e prender sua massa encefálica com
uma cuia de coité, vivendo ainda por muitos anos com aquele estranho adorno na
cabeça.
Por outro lado, em
função da inauguração da Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto, cujo ponto
de partida era a futura Barra do Piraí (a qual mais tarde seria denominada
Viação Férrea de Sapucay e posteriormente Rede Mineira de Viação), nascia a
estação "Prosperidade", que servia de ligação com o Rio de Janeiro através da
Estrada de Ferro D. Pedro II, parada ferroviária assim cognominada em razão da
existência da fazenda do mesmo nome em suas proximidades. Cumpre registrar que
a titulação da fazenda mostrou-se mais do que adequada, uma vez que foi a
partir dessa época que se verificou o maior fomento do café na região de Piraí.
A propósito, a fazenda limitava-se com a Fazenda Braço Grande e com a Fazenda
Floresta, em Ipiabas (que, em tupi-guarani, significa "aquele que tem a pele manchada"), uma propriedade administrada
pela baronesa de Rio Bonito (Francisca Romana Darrigue de Faro).
Com área de 40
alqueires, suas atividades básicas eram a suinocultura, a pecuária de leite e
de corte e a fabricação de cachaça. Como atrativo especial, a fazenda hoje oferece
visitas orientadas a grupos de turistas, historiadores e outros interessados,
durante as quais seus administradores detalham as peculiaridades especiais da
arquitetura e do modo de vida dos cafeicultores do século XIX.
A fazenda São João da
Prosperidade localiza-se na estrada que liga Barra do Piraí a Ipiabas e
Conservatória. Da estrada avista-se o conjunto de prédios, que ficam em um
nível mais baixo que a rodovia. A casa grande e demais edificações
remanescentes do ciclo do café estão cercadas por morros com pouca vegetação e
seus limites formais são determinados pela ruína da senzala, à esquerda, por
uma mureta de arrimo na lateral direita e, ao fundo, por um muro de alvenaria
de pedras. Correndo pela esquerda e acompanhando a ruína da senzala, corre um
prosaico riacho de águas tranquilas e razoavelmente límpidas.
A fazenda possui um conjunto singular de edificações (com 950m2
de área construída) até porque o terreiro de café localiza-se na parte
posterior e não à frente da casa, como era costume. O conjunto edificado hoje
compreende a casa principal, a morada do capataz, o terreiro de café, as ruínas
da senzala e do engenho, os resquícios da tulha e um abrigo para tropeiros, este
na lateral beirando a estrada interna que permite o acesso à casa-sede. Esta,
construída em um único pavimento e com um telhado de inclinação acentuada, tem
seu espaço distribuído por cerca de 30 cômodos. A escada localizada na fachada
principal permite o acesso a uma grande sala de estar, que leva à área que era
destinada às alcovas - agora transformadas em quartos - e a um escritório que
foi transformado em sala de estar. Um corredor nos permite chegar à sala de
jantar e a dois outros corredores. Um deles fica no eixo longitudinal da casa e
permite a passagem para outros quartos, para a capela e para uma grande sala
transformada em varanda. Já o outro, transversal, dá acesso ao bloco onde se localiza
a cozinha. Entre a cozinha e o corpo principal da casa existia um jardim destinado
a impedir que os cheiros das frituras alcançassem as salas. Atualmente, parte
desse jardim foi utilizada para a construção de dois banheiros. A longa
edificação apresenta 40 janelas e 40 portas, todas com vergas retas e
cercaduras em madeira. As portas internas possuem bandeira com vidro e as
demais esquadrias. Em sua maioria, são compostas por janelas duplas -
guilhotinas envidraçadas e almofadadas - e portas também no mesmo estilo. As
paredes internas possuem um roda-mão em todos os cômodos. A proprietária atual
instalou uma escada de marinheiro num dos corredores a fim de facilitar a
manutenção do madeiramento do forro e do telhado. As divisões internas da casa
nos fazem perceber que ela foi planejada e construída contemplando três funções
internas distintas: residência (íntima) social e serviço (comércio / trabalho).