Mulheres são as maiores vítimas da falta de banheiro

Brasil tem mais de 4 milhões de pessoas sem acesso a banheiros e população feminina é a mais afetada

 22/11/2019     Planeta Colabora      Edição 269
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Como o gênero influencia no saneamento básico? Essa foi a pergunta inicial a que Sarika Saluja, gerente geral da World Toilet Organization (WTO), tentou responder em painel no World Toilet Summit 2019, que está sendo realizado em São Paulo. "Geralmente são as mulheres que ficam responsáveis por buscarem água em suas casas, por fazerem tarefas domésticas que necessitam de água e pelos cuidados com as crianças. E também são elas que correm maior risco de serem abusadas sexualmente enquanto vão a um banheiro longe de suas casas. E também são elas que precisam de mais privacidade e de condições melhores durante a menstruação e a gravidez", disse Sarika Saluja.

De acordo com dados de 2015 da Organização Mundial da Saúde (OMS)/UNICEF, mais de 1 bilhão de pessoas no mundo ainda não possuem acesso a um banheiro. Isso significa que uma em cada quatro pessoas faz suas necessidades fisiológicas ao ar livre, uma prática que potencializa a contaminação da água e a proliferação de doenças, como a esquistossomose. No Brasil, são mais de 4 milhões de pessoas sem acesso a banheiros.

"Quando uma adolescente menstrua e sabe que na escola onde estuda não tem um banheiro, ela perde o interesse em ir à aula. Quando uma mãe tem diarreia ou alguém de sua família está doente, ela, muitas vezes, precisa faltar ao trabalho para cuidar de si e de seus familiares" - Marisa Pessoa, CEO do Grupo Mulheres do Brasil

No caso das mulheres, as chances de contaminação são maiores, como explica a ginecologista Juliana Aquino. "Nosso órgão genital é interno, então bactérias encontram mais condições para se proliferarem. Se a mulher não se olha com um espelho e também não consegue fazer exames anuais, não consegue ver lesões e não consegue se tratar", disse

A médica também explica que outro fator do corpo que influencia é a entrada da vagina ser perto do ânus e, por isso, pode haver contato com as fezes; diferente do homem, que tem o órgão genital para fora. Já quando tem acesso a um algum vaso sanitário, também é mais fácil de ser contaminada, porque, ao sentar-se, pode entrar em contato com bactérias resistentes que ficam na bacia.

"Uma coisa que a gente esquece é que muitas mulheres não têm acesso a absorvente, como moradoras de rua, por exemplo. Elas usam o pano que conseguirem e, às vezes, não tem nem acesso à água para lavar esses paninhos, para tomar um banho. Já tive uma paciente, moradora de rua, que tinha larvas na vulva. Precisamos tirar uma parte da vulva, cirurgia que só é geralmente realizada em pacientes com câncer", conta.

A médica ressalta ainda que diarreia, esquistossomose e até câncer de pênis são outras doenças que podem ser causadas pela falta de saneamento e pela falta de higiene. De acordo com o Atlas on Children's Health and the Environment - WHO 2017, a diarreia mata 2.195 crianças por dia no mundo e faz mais vítimas do que a Aids, a malária e o sarampo juntos; é a segunda maior causa de morte entre meninos e meninas entre 1 mês e 5 anos no mundo.

"Em dois anos do Água na Escola - Gotas do Futuro, passamos em 15 cidades levando informações para mais de 30 mil alunos. A ideia é que eles cresçam entendendo que saneamento é um direito e que esse direito permite acesso à dignidade" - Daiane dos Santos, ginasta campeã mundial e embaixadora do Instituto Trata Brasil

CEO do Grupo de Mulheres do Brasil, Marisa Pessoa destacou o impacto da falta de banheiro no dia a dia das mulheres.  "Quando uma adolescente menstrua e sabe que na escola onde estuda não tem um banheiro, ela perde o interesse em ir à aula. Quando uma mãe tem diarreia ou alguém de sua família está doente, ela, muitas vezes, precisa faltar ao trabalho para cuidar de si e de seus familiares. Isso faz com que a mulher produza menos e, às vezes, nem tenha acesso a uma capacitação profissional e a um emprego", disse Marisa durante o debate no primeiro dia do World Toilet Summit 2019.

No Brasil, segundo pesquisa do IBGE, as mulheres trabalham quase o dobro de horas do que os homens com os cuidados domésticos e com parentes. Enquanto elas dedicaram, em média, 21,3 horas semanais a essas atividades, eles só usaram 10,9 horas para esse tipo de tarefa. Marisa Pessoa destacou que a questão é muito mais ampla do que simplesmente ter água na torneira e acesso a um vaso sanitário. É um trabalho que também passa pela cultura de reeducação em relação ao uso da água e do banheiro, assim como de levar capacitação para essas mulheres.

Esse trabalho de mudança de mentalidade vem sendo feito pela ginasta campeã mundial Daiane dos Santos e pela equipe da Trata Brasil, que tem Daiane como embaixadora há dez anos. "Em dois anos do Água na Escola - Gotas do Futuro, passamos em 15 cidades levando informações para mais de 30 mil alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, de forma lúdica, sobre saneamento básico. A ideia é que eles cresçam entendendo que saneamento é um direito e que esse direito permite acesso à dignidade", afirmou Daiane.

 

Foto 1 - Mais de 4 milhões de pessoas no Brasil não têm acesso a banheiros: mulheres sofrem mais (Foto: Custódio Coimbra)

 

Foto 2 - Vista de um banheiro numa favela de Dhaka, em Bangladesh: World Toilet Summit, em São Paulo, discute o drama da falta de banheiros (Foto: Mamunur Rashid/ NurPhoto)