Condessa da Soledade
Francisca Elísia era casada com o todo poderoso capitão-mor Manoel Francisco Xavier, um rico e influente proprietário que administrava com mão de ferro três enormes fazendas em Paty: a Freguesia (atual Aldeia de Arcozelo), Maravilha e Santa Tereza
28/02/2020
Historiador Sebastião Deister
Edição 283
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Título nobre
excepcionalmente concedido por D. Pedro II a D. Francisca Elisa Xavier (ou
Maria Elísia Xavier), já que o Segundo Reinado raramente agraciava mulheres com
títulos honoríficos antes de condecorar seus maridos. Entretanto, o Imperador houve
por bem agraciá-la com essa titulação de nobreza pelos seus serviços
comunitários em Paty do Alferes e por suas fartas doações tanto à Irmandade de
Paty quanto à Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Francisca
Elísia era casada com o todo poderoso capitão-mor Manoel Francisco Xavier, um
rico e influente proprietário que administrava com mão de ferro três enormes
fazendas em Paty do
Alferes: a Freguesia (atual Aldeia de Arcozelo), Maravilha e Santa
Tereza, além do sítio da Cachoeira.
Francisca era
uma mulher muito religiosa, admirada e benquista na Freguesia de Paty, o mesmo
não acontecendo com seu marido, antipatizado e até detestado por outros
fazendeiros em função dos modos autoritários e despósticos com que tratava
colonos, empregados e principalmente seus escravos. Com efeito, Manoel teve sob
seu comando um grande número de africanos escravizados, entre eles um negro
forte, habilidoso, de pouca fala e sorriso escasso chamado Manoel Congo.
Provavelmente chegado ao Brasil nas décadas iniciais do século XIX, logo ao desembarcar
Congo foi apresentado no cais da Praia do Valongo recentemente descoberto por
escavações realizadas para a criação do Porto Maravilha, na Praça Mauá, tendo
sido de pronto adquirido por Manuel Francisco Xavier e trazido para prestar
serviços nas três propriedades daquele escravagista.
Como era comum entre os escravos nascidos na África,
seu nome era composto por um prenome português associado ao antropônimo de sua
"nação" ou região de origem, nesse caso o Congo. Manoel era ferreiro,
ofício que requeria treinamento e destreza, o que certamente lhe conferia superioridade
sobre outros escravos e maior valor econômico perante seus senhores.
Fulga audaciosa
Dotado de grande espírito
de liderança, corajoso e decidido, Manoel promoveu uma fuga audaciosa na noite
de 7 de novembro de 1838, conduzindo mais de duas centenas de fugitivos - entre
homens, mulheres e crianças - em direção à Serra de Santa Catarina (hoje na
linha limítrofe de Paty do Alferes com Petrópolis), onde pretendia instalar um
quilombo.
No ofício datado de 13 de
novembro de 1838 a
Paulino José Soares de Souza, então presidente da Província do Rio de Janeiro,
o juiz de Paz de Vassouras - José Pinheiro de Souza Werneck - solicitou
imediatas providências para a captura dos rebelados, duramente perseguidos e
aprisionados pelo barão de Paty (Francisco Peixoto de Lacerda Werneck) após
intensa refrega nas matas adjacentes àquele município. Entre os mais
importantes cabeças do movimento, encontravam-se também Miguel Crioulo,
Belarmino Congo, Afonso Angola, João Angola, Adão Benguela, Epifânio
Moçambique, Canuto Moçambique, Antônio Magro, Pedro Dias e Justino Benguela,
além de Mariana Crioula, Rita Crioula, Lourença Crioula, Brígida Crioula, Joana
Mofumbe, Josefa Angola, Emília Conga, Balbina Congo e Manoela Angola.
A propósito, Mariana Crioula era uma escrava nascida no Brasil, com cerca
de 30 anos na época. Era costureira e mucama (escrava de companhia) de Francisca Elisa Xavier. Foi descrita como sendo uma "preta de
estimação", assim como uma escrava dócil e confiável de sua patroa, o que
certamente a livrou da morte por enforcamento.
Julgado em Vassouras,
Manoel Congo foi condenado à forca, subindo ao patíbulo em 6 de setembro de
1839. Casado com a negra Balbina Conga, Manoel deixou uma filha de nome
Concórdia.
Os demais revoltosos
receberam como pena 650 açoites cada um, dados cinquenta por dia, na Forma da
Lei (Código Penal da época). Quanto às demais mulheres, também acabaram por ser
absolvidas, talvez por interferência de D. Francisca Elisa Xavier, que tinha
por elas grande apreço.
D. Francisca nasceu em 1
de novembro de 1786 e faleceu em Niterói no dia 12 de outubro de 1855. Por
testamento, deixou a seu afilhado Gil Francisco Xavier as fazendas Freguesia e
Maravilha e aos outros sete enjeitados (filhos bastardos do marido coronel Manoel
Francisco Xavier) 25 contos de réis em terrenos e escravos. Sua mansão em
Niterói - conhecida como palacete da Soledade - foi legado a uma neta do comendador
Manuel Antônio Ayrosa (o barão de Sapucaia), testamenteiro dos bens deixados
pela baronesa.
Manoel contribuiu
bastante para a construção da Igreja Matriz de Paty do Alferes, até mesmo por
influência da esposa. Segundo alguns estudiosos, essa foi a maneira que ele
encontrou para se redimir de uma série de impropriedades sociais e humanas que
cometeu em Paty, ou seja, um modo de conseguir perdão para seus pecados. Em um
dos corredores da matriz até hoje existem duas grandes pinturas retratando
Manoel e D. Francisca.