E quando o coronavírus chegar às favelas?
Especialista da FioCruz diz que bairros populares precisam receber tratamento diferenciado para evitar uma catástrofe maior
20/03/2020
Planeta Colabora
Edição 286
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Dez em cada dez infectologistas do planeta
dizem que uma ação básica para evitar a contaminação pelo vírus Covid-19, mais
conhecido como coronavírus, é evitar as aglomerações. Daí os cancelamentos em
série de jogos de futebol, basquete, shows de música, congressos e aulas nas
escolas e universidades. Até o saudável hábito de ir ao cinema virou um
programa arriscado. Agora, o que acontece quando você passa 365 dias por ano
vivendo no meio de uma aglomeração? É essa a realidade de favelas do Rio e de
outros estados, como a Rocinha, a Maré, a Casa Amarela e Paraisópolis. O
próprio IBGE classifica essas áreas das cidades como "aglomerados subnormais",
por falta, na maioria das vezes, de condições mínimas de habitação, saneamento
e saúde.
"Ainda não é possível dizer
como o coronavírus vai se comportar no Brasil, é claro que não devemos espalhar
o pânico, mas é certo também que a população mais pobre será mais afetada que a
população de classe média" -
Valcler Rangel, médico sanitarista da FioCruz
Junte um aglomerado subnormal com um vírus
novo altamente contagioso que vem se propagando rapidamente. O que pode
acontecer? Para o médico sanitarista Valcler Rangel da FioCruz, essa é uma
bomba relógio que precisa ser desarmada rapidamente. Ele defende que haja
equidade nas medidas de prevenção e controle do coronavírus, tratando de forma
diferente as pessoas e os locais que são diferentes: "Muitas das medidas que
estão sendo adotadas ou recomendadas, todas elas corretas, não são acessíveis a
essas populações que vivem nas favelas do Rio ou de São Paulo, por exemplo.
Limpar as mãos com álcool gel, usar lenço de papel, isolar os doentes em um dos
cômodos das casas? Como fazer quarentena em casas que possuem apenas um cômodo,
com vários moradores vivendo ali e onde muitas vezes não há sequer um banheiro?",
pergunta o doutor Valcler.
O raciocínio do especialista da FioCruz é
relativamente simples e óbvio. Como essas comunidades reúnem milhares de
pessoas morando em condições subnormais, para usar o termo do IBGE, as chances
de proliferação de um vírus agressivo como o Covid-19 é imensa: "Ainda não é
possível dizer como o coronavírus vai se comportar no Brasil, é claro que não
devemos espalhar o pânico, mas é certo também que a população mais pobre será
mais afetada que a população de classe média", explica. Um levantamento
recente mostrou que só a favela da Maré, nas vizinhanças da FioCruz, possui
mais de 10 mil idosos, com idade superior aos 65 anos, público que corre mais
riscos quando se fala em coronavírus.
Derrubada da Emenda 95
Entre as medidas sugeridas pelo médico, estão
a derrubada da Emenda 95, que limita os gastos do governo e a liberação
imediata dos R$ 5 bilhões para o SUS: "Estamos em um momento especial,
precisamos de medidas especiais". Ele recomenda fortemente que haja um foco
diferenciado nessas comunidades, com os agentes de saúde aumentando o número de
visitas, com a identificação das áreas de risco, uma oferta maior de leitos e
algum tipo de prioridade no atendimento do SUS para as pessoas que vivem nesses
aglomerados urbanos: "Quando o poder público decide suspender as aulas, por
exemplo, ele faz com que as aglomerações nas favelas fiquem ainda maiores e os
riscos de contaminação cresçam".
Campeã em tuberculose
Valcler Rangel lembra que várias outras
doenças virais ainda estão fortemente presentes no Brasil e nessas comunidades,
como a Dengue, a Chikungunya, a Zika e o próprio Sarampo, o que complica ainda
mais a situação. A Rocinha, localizada na Zona Sul do Rio, com mais de 100 mil
moradores, ainda é uma das campeãs em registros de tuberculose no Brasil.
Segundo a OMS, são mais de 300 casos para cada 100 mil habitantes, um índice 11
vezes mais alto do que a média nacional. Um indicador a mais da desigualdade
reinante nas nossas cidades e que, agora, pode ficar ainda mais evidente por
conta de um vírus importado da China.
Foto 1 - A desigualdade vista do alto, no Rio
de Janeiro, uma das maiores cidades do país. (Foto: Custódio Coimbra)
Foto 2 - Imagem área do Morro dos Prazeres,
em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. (Foto: Custódio Coimbra)