A Emancipação de Paty do Alferes
Desde 15 de janeiro de 1833 - data em que sua vila passara para o domínio de Vassouras - os moradores de Paty do Alferes viam na emancipação político-administrativa a única solução de seus problemas sociais e de infraestrutura.
11/12/2020
Historiador Sebastião Deister
Edição 323
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Desde 15 de janeiro
de 1833 - data em que sua vila passara para o domínio de Vassouras - os moradores
de Paty do Alferes viam na emancipação político-administrativa a única solução
de seus problemas sociais e de infraestrutura. Contudo, apesar da luta pessoal
e muitas vezes coletiva de muitos moradores ilustres do lugar, um movimento
separatista de tal natureza sempre esbarrava em questões legais e encontrava
nos chefes vassourenses um obstáculo político difícil de ser ultrapassado, já
que estes não admitiam sequer pensar na possibilidade de ter seu vasto e rico
território desmembrado em células menores e autônomas.
De fato, nas esferas
administrativas estaduais Vassouras combatia com intransigência a indesejada ideia
de emancipação de uma de suas mais ricas células distritais, sempre minando a
febre de separação dos patienses, levando a cidade a amargar quase um século e
meio de espera para constituir seu próprio município. Embora frustrada, a
população patiense nunca se deixou abater pelos reveses políticos que a
cerceavam.
Mesmo abandonada por
sucessivas administrações vassourenses, a vila buscou no profundo alento
trabalhista e na insuperável vontade de seu povo lutador os meios seguros de
prosperar financeiramente para assim se afirmar como célula municipal capaz de
ter um desenvolvimento jurídico, social e político totalmente seguro e independente.
Ao longo das décadas
iniciais do século XX, a população patiense foi se adaptando aos novos tempos, balizados,
em especial, pela decadência das antigas fazendas de café, já desmembradas em
glebas menores nas quais modestos grupos de lavradores tentavam manter suas
culturas de subsistência ou buscando, na zona urbana, negócios diversificados
que se mostrassem interessantes e lucrativos para suas famílias.
Assim, lentamente
surgiram escolas, levantaram-se casas, fundaram-se clubes e associações,
inauguraram-se alguns hotéis e abriram-se diversos entrepostos comerciais
importantes, lavraram-se planícies e encostas e demarcaram-se loteamentos
inéditos e vistosos nas periferias de Paty e Arcozelo, atividades que acabaram
por incutir no seu povo um irreprimível sentimento nativista e um intenso e
imorredouro amor à terra, peculiaridades e virtudes que fazem dos patienses,
até hoje, a população mais ligada à produção rural entre todas as demais que
habitam a nossa antiga e histórica região serrana.
A despeito de alguns
movimentos de emancipação levados a efeito por Paty e Avelar em determinados
períodos do século XX, nada de concreto advinha para a cidade, pois a Câmara de
Vereadores de Vassouras abortava de pronto qualquer sugestão neste sentido.
Cedo ou tarde, entretanto, o divórcio político e administrativo teria de chegar.
Afinal, a população economicamente ativa da região já era numerosa, a
arrecadação financeira - sustentada principalmente pela produção agropecuária
de vastas proporções, na qual o tomate já exibia um destaque notável em todo o
estado - superava todos os parâmetros determinados pelas leis de emancipação e
o número de eleitores já ultrapassava o teto jurídico mais otimista.
Pressionada pela
opinião pública, criticada pela imprensa local e desprovida de argumentos sociais,
políticos e econômicos capazes de bloquear mais uma vez um plebiscito, a Câmara
de Vassouras, enfim, autorizou uma consulta popular que abrangesse os
logradouros de Paty do Alferes, Avelar, Pedras Ruivas, Palmares e Arcozelo,
sendo marcado o domingo de 6 de setembro de 1987 para o referendo. Tal dia amanheceu melancólico e chuvoso, a
lama tomava conta das ruas, o vento atípico para a estação e o frio incomodavam
na quase primavera da serra. A Natureza não estava colaborando, a chuva
assustava de vez em quando, mas nas seções eleitorais espalhadas pelos bairros
do futuro município chegavam os eleitores a pé, a cavalo, de carroça, de
bicicleta ou charrete, e todos - pobres ou ricos, ilustres figuras públicas ou
simples filhos da terra, comerciantes, lavradores ou pecuaristas, jovens e
idosos, caminhoneiros ou colonos, professores e donas de casa - levavam a esperança
na alma e um pronto convencimento aos indecisos: ali estava a certeza da
liberdade e o passo definitivo para o futuro. Numa inequívoca demonstração de
civismo, educação e democracia, o plebiscito transcorreu dentro da maior normalidade.
Ao final do dia, até mesmo os adversários políticos cumprimentavam-se pela
beleza daquele ato cívico e sentiam que, fosse qual fosse o resultado, Paty
jamais voltaria a ser a mesma cidade. Com efeito, ali se instalara algo
intangível que, em breve, mudaria sua face e seu estilo de vida. Com o
encerramento da votação, as urnas foram transportadas até a sede da Associação
de Amigos de Paty (AMIPA), daí seguindo para Vassouras.
Presidida pelo então
Juiz de Direito da Comarca de Vassouras, Dr. Paulo Nader, a apuração foi
realizada no Dia da Pátria, 7 de setembro. Nervosos e ansiosos, os patienses
acompanharam o escrutínio no Forum vassourenses, e às 13 horas anunciava-se,
com justificada euforia, o resultado da apuração. Para delírio dos patienses e
decepção dos vassourenses contrários àquela causa, votaram 6.445 eleitores
(sendo 5.266 em Paty e demais bairros e 1.179 em Avelar), com o SIM obtendo 5.904 votos contra apenas
541 indicações para o indesejado NÃO.
A ruidosa festa de
comemoração começou ali mesmo, junto ao Forum. Uma estrepitosa carreata partiu
então para Paty, atravessando inclusive terras de Massambará, Horizonte,
Fazenda das Antas, Avelar, Granja Califórnia e Arcozelo, sendo engrossada ainda
mais ao passar pelas ruas centrais de Paty, onde a população, praticamente em
peso, esperava pela confirmação daquela alvissareira notícia e pelas comemorações
que, por certo, seriam realizadas na cidade. Seguido de brilhantes e
ininterruptas salvas de fogos, o cortejo seguiu para Miguel Pereira para
receber os merecidos aplausos e votos de felicidade de seus vizinhos, e depois
de contornar Governador Portela, regressou em triunfo para Paty, onde, em praça
pública, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos de Paty encarregou-se
de animar a festa até altas horas da madrugada, em meio a centenas de litros de
chope e sob o espocar de uma saraivada de foguetes.
No dia 15 de dezembro
de 1987, a emancipação foi definitivamente selada com a assinatura da Lei n°
1.254 sancionada pelo Governador Wellington Moreira Franco. A partir daí, o município
de Paty do Alferes de pronto mergulhou no processo de campanha política que
acabaria por eleger, em 15 de novembro de 1988, Eurico Pinheiro Bernardes
Junior como seu primeiro prefeito, tendo como vice Alexandre Veiga Lisboa.
Por sua vez, a primeira
câmara municipal, presidida por Hugo Corrêa Bernardes, apresentava o seguinte
quadro de vereadores: Alício Pereira Mamedir (Vice-Presidente); Aloysio de
Oliveira (1º Secretário); José Carius de Melo (2º Secretário); Altino de Paula
Borges; Aurimar da Rocha Oliveira; Antônio José da Rosa; Marcello Francisco da
Silva; Nacim Elmôr; Oswaldo Fernandes de Barros Filho e Rubens de Medeiros
Pereira.
Foto Celino Filho.