A Pedra de Paraibuna

Situada a cavaleiro do modesto distrito de Monte Serrat, no município de Levy Gasparian, a monumental elevação é uma formação rochosa de puro granito, escoltando as águas do rio Paraibuna. Ergue-se a 1.150 metros em relação ao nível do mar.

 30/10/2020     Historiador Sebastião Deister      Edição 316
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Situada a cavaleiro do modesto distrito de Monte Serrat, no município de Levy Gasparian, a monumental elevação é uma formação rochosa de puro granito, escoltando as águas do rio Paraibuna. Ergue-se a 1.150 metros em relação ao nível do mar, formando um paredão vertical de 415 metros em um único lance sólido que parece ter sido alisado a mão. Do seu cume é possível vislumbrar todo o vale irrigado pelo rio Paraibuna. Em dias claros o montanhista consegue, ainda, avistar parte do centro de Levy Gasparian e muito da estrada que conduz à localidade de Afonso Arinos. Como se sabe, a era geológica denominada Arqueozoica teve início aproximadamente há 4 bilhões de anos, caracterizando-se pela formação da crosta terrestre e pelo surgimento dos escudos cristalinos e de rochas magmáticas que, solidificadas ao longo de milênios, acabaram por formar o relevo ora encontrado no planeta.

Na região existem várias lendas ligadas à grande rocha, inclusive algumas que garantem ser ela mal-assombrada pelas almas de desavisados aventureiros que não conseguiram escalá-la e que morreram em consequência de quedas terríveis. Entretanto, para os adeptos de aventuras radicais e alpinistas profissionais ou amadores, não existe repto melhor do que enfrentar mais de duas horas de estafante caminhada em subidas íngremes cruzando tufos de vegetação nativa, por vezes bem rala, mas ocasionalmente compacta e desafiadora. Do topo, o panorama proporcionado pela Natureza é realmente indescritível. De um lado, pode-se ver trechos da Rodovia BR-040 e do outro segmentos da antiga Estrada União-Indústria que serpenteia pelos pés do paredão. De lá também saltam aos olhos os trilhos da velha Estrada de Ferro Central do Brasil que correm ao lado do Registro de Paraibuna e escoltam um trecho do perene rio do mesmo nome, hoje calmo e deslizante e sem as corredeiras que tanto fizeram sua fama. De fato, com o represamento do rio para a construção da Usina Hidrelétrica Bonfante, o Paraibuna hoje ostenta tão-somente uma face de grande lago e não o curso d'água que, nos anos oitenta, atraía esportistas de todo país para praticar o rafting pelas corredeiras Travessão, Hollywood, Francesa, Curva do S e outras semelhantes. De suas margens e areais desapareceram os micos, as capivaras, as pacas, os lobos-guará, os cachorros-do-mato e as aves que desfrutavam de ampla liberdade e coletavam os alimentos que as águas e sua vegetação ciliar lhes forneciam. Com a chegada da mão humana, o Paraibuna, hoje, é apenas um rio sonolento e praticamente sem encanto.

De qualquer forma, a grande pedra ainda provoca atenção e interesse para os intimoratos praticantes de rapel ou mesmo parapente, que após suas acrobacias no ar podem pousar com segurança junto à centenária Igreja de Monte Serrat, ícone deixado pelo bandeirante Garcia Rodrigues Paes ao passar por ali nos albores do século XVIII quando da abertura do Caminho Novo de Minas. Com efeito, após atravessar o Paraibuna vindo de Minas, o sertanista deparou-se com o imenso paredão de granito e resolveu, em sua base, erguer uma capela em honra à virgem portuguesa de Monte Serrat. Em seguida, Garcia e companheiros fizeram o contorno da pedra, levando sua estrada até o outro lado da montanha e desembocando na atual área paraibana de Limoeiro. É importante registrar que a imagem de Nossa Senhora de Monte Serrat foi ali deixada por Garcia Rodrigues Paes. Católico fervoroso e homem voltado para a história e para a cultura, D. Pedro II fez questão de inaugurar a igreja em 1869 quando de uma de suas viagens a Juiz de Fora.

Junto à Pedra de Paraibuna, e no coração de Monte Serrat, encontra-se o Museu Rodoviário de Paraibuna, único no gênero em todo o país. O atrativo ocupa um belo casarão construído em 1860 pela Companhia União & Indústria, dirigida pelo engenheiro Mariano Procópio Ferreira Laje, para abrigar a 8ª Estação de Mudas da empresa que então construía a estrada que ligaria Petrópolis a Juiz de Fora. O prédio possui um elegante estilo de chalé francês, criado em estrutura pré-fabricada importada da Europa. Ao longo dos anos, ventilou-se sempre a ideia de tombar o museu pelo IPHAN, mas até hoje nada disso aconteceu. Entretanto, apesar de esforços isolados e movimentos populares e políticos, a proposta de tombamento começou a sair do campo de projetos no início dos anos 60, quando o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) encampou o plano de tombamento, adquirindo o edifício histórico. Foram, então, implementadas algumas obras de restauração de suas dependências, realizaram-se reuniões de coleta e catalogação de acervo e discussão de planos gráficos e descritivos de seus espaços museológicos. Em 23 de junho de 1972 (exatamente no dia em que a Estrada União-Indústria completava 111 anos), com a presença de D. Pedro Henrique de Orleans e Bragança, Príncipe Chefe da Casa Imperial do Brasil, abriu-se, enfim, o Museu Rodoviário de Paraibuna para visitação pública, reproduzindo o ato simbólico levado a efeito por D. Pedro II na data em que, em 1861, o Imperador inaugurou a Estação de Mudas e a própria Estrada União-Indústria.

O acervo do Museu é composto de uma variada quantidade de peças que contam a história do desenvolvimento rodoviário brasileiro. Tratores, caminhões, ônibus, jeeps, marcos de antigas estradas, medalhas, selos, quadros, fotografias, carroças, fontes e chafarizes, tudo distribuído tanto nos cômodos do prédio quanto em suas áreas externas. Muitos objetos remetem à construção da União-Indústria e peças interessantes (como a reprodução, no chão, de um trecho em pedra simbolizando os antigos caminhos coloniais e uma liteira particular para transporte de figuras importantes da época imperial) despertam a atenção dos visitantes e o levam a pensar nas dificuldades de trabalho dos homens daquela época.

Dois objetos, entretanto, são a marca mais rica do Museu. Em uma sala, encontra-se a Mazzepa, a elegante confortável carruagem utilizada pelo Imperador em suas viagens entre Petrópolis e Juiz de Fora.

Já no jardim aparece o escafandro usado por mergulhadores nos serviços de montagem de sapatas e bases à época de construção da estrada União-Indústria. Claro está o que o caminho cruzava algumas áreas de rios, e o escafandro era um equipamento extremamente necessário.

Entretanto, todo esse notável acervo está lamentavelmente relegado ao esquecimento e às injúrias do tempo. Todos os veículos deixados na área externa estão deteriorados, enferrujados e praticamente sem condições de recuperação. Embora as peças resguardadas no interior do prédio mostrem melhores condições estruturais, o abandono também já mostra suas avarias. Infelizmente, nenhum órgão ligado à cultura museológica (INEPAC, IPHAN e mesmo os governos estadual e municipal) tem manifestado interesse ou preocupação com o Museu Rodoviário, o único - repetimos, o único - do gênero em nosso desleixado país.