Salvação para Tinguá, Mosaico de Conservação é desmobilizado pelo governo
Desprezada pelo Ministério do Meio Ambiente, que retirou sua sede própria e transferiu seus servidores para Petrópolis...
06/11/2020
Meio Ambiente
Edição 316
Compartilhe:
Desprezada pelo Ministério
do Meio Ambiente, que retirou sua sede própria e transferiu seus servidores
para Petrópolis, e acossada por crescentes invasões e construções irregulares,
a Reserva Biológica do Tinguá poderia estar em melhor situação se houvesse uma
real parceria entre governo federal, governo estadual e as prefeituras da
região onde está inserida. A Rebio Tinguá, berço de um dos últimos remanescentes
de Mata Atlântica do Rio de Janeiro e pulmão de Miguel Pereira, faz parte de um
mosaico de conservação ambiental que reúne outras Unidades de Conservação
estaduais ou municipais, mas o diálogo e interação entre elas jamais saiu do
papel.
O Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC) brasileiro, considerado um dos mais avançados do
mundo, engloba doze categorias de conservação ambiental, como Reserva
Biológica, Parque Nacional, Área de Proteção Ambiental, Reserva Extrativista,
Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio
Natural, entre outras. A Lei do SNUC, aprovada há 20 anos, estabeleceu também a
figura dos Mosaicos de Unidades de Conservação: "Estes foram criados a
partir da identificação da existência de UCs próximas, sobrepostas,
justapostas, ou seja, aquelas que têm proximidade territorial ou mesmo a
integração de um mesmo território", explica o advogado Rogério Rocco,
especialista em legislação ambiental.
A Rebio Tinguá faz parte
do Mosaico Central Fluminense, criado em 2006, que hoje engloba 29 UCs
federais, estaduais e municipais em uma área que se estende por quase 300 mil
hectares. O objetivo do Mosaico, segundo os biólogos, botânicos e demais
profissionais que participaram de seu processo de criação, é "integrar
esforços para promover a sustentabilidade e a conservação da diversidade nos
ambientes de Mata Atlântica, desde os manguezais até os campos de altitude na
Serra do Mar Fluminense, minimizando os efeitos negativos da expansão
metropolitana e industrial".
Na prática, porém, isso
não vem acontecendo: "Do ponto de vista ambiental, a sinergia entre Tinguá e
as UCs do entorno é total, a paisagem é uma só e as relações ecológicas não
conhecem fronteiras. Mas, a interação das gestões é nenhuma porque, diante do
quadro de precariedade das UCs que já se arrasta há muitos anos, cada uma delas
tem que resolver seus próprios problemas e raramente conseguem fazer ações
conjuntas. Ou, quando conseguem, é algo muito pontual. Na época da formação do
Mosaico até houve algumas tentativas. Mas, o próprio Conselho de Mosaicos está
suspenso nesse governo", diz o biólogo Leandro Travassos, ex-chefe da
Rebio, afastado por Bolsonaro.
Retrocesso
Rogério Rocco é outro a
criticar o governo federal: "Bolsonaro anulou todos os conselhos na área
ambiental que não tivessem sido criados por lei. Os Mosaicos estão criados por
lei, estão na Lei do SNUC, mas o Conselho de Mosaicos não integra a lei",
diz. O ambientalista lamenta o retrocesso: "O Mosaico Central Fluminense foi
um dos primeiros e mais bem-sucedidos nesse processo de construção. Só que,
evidentemente, essas ferramentas têm seus altos e baixos, dependendo da gestão,
porque se você fala em gestão democrática e participativa, há grupos políticos
que não toleram isso. Quando esses grupos estão no poder, eles não admitem
esses espaços porque estes acabam repartindo e compartilhando o poder".
Rocco afirma que o sistema
de Mosaicos faz parte de um avanço nas políticas ambientais brasileiras que
agora se encontra ameaçado: "A existência de distintas categorias de UCs
durante muito tempo significou um problema porque se tinha dúvidas, sobretudo
nas UCs sobrepostas, sobre quem teria legitimidade para atuar no território.
Depois da criação da figura do Mosaico, essa disputa acaba e isso passa a ser
uma oportunidade de integração das distintas instâncias de gestão de
conservação, inclusive envolvendo atores privados, a sociedade civil, poderes
públicos. Então, os mosaicos passaram a traçar uma nova realidade em grandes
territórios de conservação".
Ele diz acreditar que a
desmobilização do Conselho de Mosaicos possa ser revertida no futuro: "De
alguma forma, os mosaicos foram desmobilizados a partir do desmonte dos
conselhos, mas eles têm uma base construída e continuam em alguns locais agindo
de forma integrada e produzindo resultados muito mais bem-sucedidos do que as
gestões individuais. Em alguns poucos casos, essa integração já é realidade",
diz.
Leandro Travassos diz que
o Mosaico Central permitiria a sonhada gestão integrada da Mata Atlântica no
Centro-Sul fluminense: "É preciso pensar o território como um só dentro do
conceito de corredores ecológicos e da manutenção das paisagens ainda agrícolas
no entorno do Tinguá", diz. O biólogo faz uma ressalva: "Não adianta
somente ter as UCs em mosaico. A gestão tem que ser das prefeituras, coibindo
ocupações irregulares, estimulando a educação ambiental e a fiscalização
integrada, além da disseminação de técnicas e metodologias de manejo e de
gestão das UCs. As prefeituras têm que ver esses remanescentes protegidos como
um tesouro, como algo valioso pela prestação de serviços ambientais no
território do município. Mas, infelizmente, isso não acontece".
Rio Santana
Na área conjugada ou
sobreposta à Rebio Tinguá, existem duas UCs estaduais: a Área de Proteção
Ambiental (APA) do Alto Iguaçu e o Refúgio de Vida Silvestre da Serra da
Estrela. Há também a APA municipal de Petrópolis e outras três APAs municipais
em Nova Iguaçu: Tinguazinho, Rio D'Ouro e Jaceruba. Em Miguel Pereira está localizada
a APA Rio Santana, criada em 2004 e situada ao longo do rio homônimo, que é o
principal formador do Rio Guandu, em todo o seu alto e médio curso.
Com 12,7 mil hectares, a
APA Rio Santana é considerada pelo Ministério do Meio Ambiente como área de
alta prioridade para a conservação da biodiversidade. Além disso, o Plano de
Gestão da Rebio Tinguá aponta a área protegida pela UC municipal como "terreno
fundamental para a manutenção dos recursos hídricos que abastecem a região
metropolitana do Rio de Janeiro".
"Eu não conheço bem
como funciona a gestão de meio ambiente em Miguel Pereira. Mas, percebo que é
problemática e com falta de pessoal, visto que a ocupação na margem do Rio
Santana não é coibida e cresce a cada ano que passa", diz Travassos. Ele
lamenta a precarização: "Deveria ser prioridade dos municípios implantar
realmente suas UCs, ter quadro de funcionários, fiscalização ambiental e
trabalhar em conjunto com as outras UCs próximas para fortalecer o quadro onde
ele é carente, potencializar as características que os técnicos dessas UCs
possuem e realizar um trabalho razoável", conclui Travassos.