O Casarão da Ferrovia em Miguel Pereira
Em estilo neoclássico, com grande varanda, ampla sala de recepção, pequena saleta de estar, cozinha de vastas dimensões, área para estacionamento, garagem particular e cinco cômodos para a família e servia aos engenheiros e diretores da ferrovia
12/03/2021
Historiador Sebastião Deister
Edição 336
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A chamada Linha Auxiliar
da Estrada de Ferro D. Pedro II (estruturada pelo Dr. André Gustavo Paulo de
Frontin a mando do Imperador D. Pedro II nas décadas finais do século XIX) foi idealizada
para estabelecer uma conexão ferroviária definitiva entre a localidade de Belém
(hoje Japeri) e a cidade de Paraíba do Sul, atravessando as serras da Viúva e
do Couto - no reverso da Serra do Tinguá - e o vale do rio Santana. Graças a
ela, desenvolveram-se diversas localidades ao longo do trecho escolhido pela
ferrovia, tais como as paradas de reabastecimento de Paes Leme, Santa Branca,
Monte Líbano e Barão de Javary, e as estações de Conrado (ex-Sertão), Arcádia
(ex-Bomfim), Vera Cruz, Francisco Fragoso (ex-Conrado), Governador Portela e
Estiva (atual Professor Miguel Pereira), além de outros pátios de embarque e
desembarque atualmente situados no território do vizinho município de Paty do
Alferes.
No contexto desse quadro
organizacional, a direção da Estrada de Ferro optou por eleger a Estiva como
sede de sua administração no trecho serrano, ali alocando prédios especiais
para os engenheiros residentes, escritórios de controle de tráfego, gabinete de
recursos humanos, salão de almoxarifado e oficinas de carpintaria, metalurgia,
tornearia e funilaria. Por sua vez, Governador Portela viu-se contemplada com a
construção de um imenso depósito de manutenção voltado para o resguardo e a
reparação de locomotivas e vagões deteriorados, além de se responsabilizar pelo
gerenciamento de uma vasta plantação de eucaliptos destinados à produção de
dormentes. Registre-se, ainda, que nos dois distritos ergueram-se diversas
casas destinadas ao abrigo dos mais importantes chefes setoriais da Linha
Auxiliar, como, por exemplo, moradias para o mestre-de-obras, para o chefe das
estações, para o supervisor da soca (equipe de colocação e manutenção de
trilhos) e para os funcionários mais graduados do depósito de Portela, conjunto
que até hoje é conhecido pelo rótulo de Vila Operária.
Até a década de trinta do
século passado, a estação ferroviária de Miguel Pereira compunha-se tão-somente
de um modesto prédio central destinado a abrigar um gabinete administrativo que
implementava o controle do tráfego ferroviário e a venda de passagens para os
usuários dos trens. A partir dessa época, os diretores da Estrada de Ferro
deram início às obras de ampliação do complexo predial da estação, levantando
ali diversos espaços de trabalho, entre eles um grande almoxarifado e oficinas
de metalurgia, serralheria, tornearia e carpintaria, além de um confortável
escritório central para uso imediato de escriturários e funcionários
burocráticos chefiados pelos engenheiros da ferrovia. Em tempo, todo esse
complexo já desapareceu, restando da estação apenas seu corpo central que hoje
abriga dois atrativos museológicos (o Memorial do Município e o Museu
Ferroviário I). No local das oficinas, atualmente está em construção a chamada
Rua Coberta implantada pela Prefeitura.
Os casarões da ferrovia
foram levantados em estilos distintos. Um, em estilo neoclássico, com grande
varanda, ampla sala de recepção, pequena saleta de estar, cozinha de vastas
dimensões, área para estacionamento, garagem particular e cinco cômodos para a
família, além de dois anexos externos e amplos jardins, dos quais era possível
acessar todas as estruturas da estação e até mesmo a estrada de ligação com
Paty do Alferes. A outra construção apresentava aspecto mais moderno, com
várias divisões internas e uma pequena área para prática de esportes.
Entretanto, ambo serviam aos engenheiros e diretores da ferrovia. Este segundo
casarão, hoje, abriga o restaurante Relíquia.
Já o primeiro grande
prédio serviu a outro belo propósito. Em 1955, ocorreu o desabamento da precária
casa que acomodava o Colégio Estadual Antônio Fernandes, à Rua Áurea Pinheiro.
Em face desse contratempo, José Bento Martins Barbosa, então Prefeito de
Vassouras (à época cabeça de município responsável por Miguel Pereira),
solicitou ao engenheiro residente, Dr. Antônio Soares Belford, a cessão temporária
do grande casarão para instalação dos alunos enquanto eram completadas as obras
definitivas do colégio no centro da cidade. Por essa razão, as salas de aula
funcionaram naquelas dependências até 15 de novembro de 1957, quando Frederico
Augusto da Senna Wängler, o primeiro prefeito miguelenses, e a diretora Jandira
Telles Leme Pragana deram por inaugurado o prédio próprio do colégio.
Em 2015, a Rede
Ferroviária Federal, dentro do programa de venda dos seus prédios situados
junto à Linha Auxiliar, ofereceu à Prefeitura, administrada à época pelo Dr.
Cláudio Valente, a posse do primeiro casarão, visto que o segundo já se
encontrava em mãos de um proprietário particular. Algumas atividades foram
desenvolvidas junto ao IPHAN objetivando repassar o prédio para o poder público,
mas alguns entraves burocráticos foram surgindo ao longo do processo, até porque
a casa estava ocupada pela família do Sr. José Carlos Pureza. Assim, nada ficou
resolvido durante o governo Valente, a despeito das orientações e do interesse
de Isabel Cristina da Rocha, Supervisora do Escritório Técnico do IPHAN para o
Vale do Paraíba, localizado em Vassouras.
Por sua vez, o novo
prefeito, André Pinto de Afonseca, mostrou-se preocupado com o futuro do belo
casarão, dando marcha a procedimentos destinados a inseri-lo no patrimônio
municipal. Além de entabular negociações visando à desocupação do prédio pela
família Pureza, o poder municipal conseguiu, em 6 de junho de 2018, a posse do
casarão. Com efeito, nessa data oficializou-se a assinatura, na
Superintendência de Patrimônio da União (SPU), do contrato de municipalização
não apenas da chamada casa do engenheiro, mas também de 4 imóveis pertencentes
ao Governo Federal que se encontravam arrolados no espólio da antiga Rede
Ferroviária Federal S/A. Foram passados para o patrimônio de Miguel Pereira o
campo de futebol do Central Atlético Clube e duas áreas em Governador Portela
que pertenceram à fazenda Monte Sinai (gleba A com 152.095,50 m2 e
gleba C com 174.340 m2, totalizando, assim, 326.435,50 m2),
ou seja, mais de 32 hectares dentro da cidade de Governador Portela com valor
aproximado de 1 milhão de reais. Por sua vez, o campo do Central, com quase
10.000 m2, viu-se avaliado em R$ 300.000,00. A partir da posse do casarão, a
prefeitura empenhou o máximo de esforços em trabalhos de restauração e recuperação
arquitetônica de todo o complexo predial do casarão, trazendo novamente à luz a
beleza e as cores de um patrimônio datado de 1939 que, hoje, 82 anos depois,
novamente domina, com sua elegância, parte do centro de Miguel Pereira,
abrigando em suas confortáveis e arejadas dependências os trabalhos da
Secretaria Municipal de Turismo. Suas reformas e o novo ajardinamento foram
inaugurados em 29 de junho de 2020.