Fazenda Quindins - 93 anos
Fazenda Quindins remetem-se a um dos seus primeiros proprietários, o sesmeiro José Maria Guadalupe, que pouco antes de falecer, em 1864
17/12/2021
Historiador Sebastião Deister
Edição 376
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A arquitetura patiense pós-imperial é bem típica das décadas finais do
século XIX: amplas e majestosas portas duplas de madeira de lei maciça,
planejadas de forma a permitir a entrada e saída dos pesadíssimos e imensos
móveis da época; espaçosos e arejados salões, nos quais se estendiam longas
mesas de jantar destinadas a receber as numerosas pessoas de uma mesma família
ou a recepcionar frequentes e ilustres convidados; múltiplos e ventilados
aposentos pessoais reservados à abundante prole da casa e quartos especiais
para os hóspedes mais prestigiosos, além de portas internas bem largas entre os
vários cômodos a fim de que as matriarcas e suas filhas pudessem transpô-las
sem o incômodo de verem seus caros vestidos presos nos alizares de sustentação.
Fazenda
Quindins
As notícias mais remotas relativas à Fazenda Quindins remetem-se a um dos
seus primeiros proprietários, o sesmeiro José Maria Guadalupe, que pouco antes
de falecer, em 1864, transferira a propriedade para o filho Justino de Azevedo
Ramos. José Maria de Guadalupe era filho de Manoel de Azevedo Ramos e de Ana
Maria Werneck, sendo, portanto, neto de Manoel de Azevedo Matos, o fundador da
Fazenda de Nossa Senhora da Piedade de Vera Cruz. Portanto, no ano de 1853 a
fazenda Quindins já existia com tal denominação, sendo, assim, impossível
determinarmos, com rigor histórico, o ano de sua criação e o autor de tal
titulação. Entretanto, Justino não comungava do interesse do pai e dos irmãos
pela administração de terras, e de pronto negociou-as com Manoel Francisco
Bernardes que, à época, já possuía a Fazenda Retiro junto ao povoado da Estiva.
O Coronel Manoel Francisco Bernardes, ao lado da esposa Joaquina Maria de
Mello Bernardes, deitou suas raízes em Paty do Alferes a partir da Fazenda
Retiro, de onde seguiram todos seus filhos em direção a Quindins e ao grande
casarão erguido no centro da vila. Por sugestão de amigos, em 1928 o filho Antão
e a esposa Luiza utilizaram um dos quartos mais frontais da casa-grande de
Quindins para organizar um pequeno comércio de produtos básicos para os
viajantes que cruzavam aquelas terras tanto para o centro da vila quanto para
as áreas infletidas para o chamado Morro do Fama e em direção às terras da Fazenda
Maravilha. Do pequeno empório instalado em Quindins, originou-se, então, uma
pousada que iria se transformar em hotel pouco tempo depois.
Hotel
Quindins
Com efeito, filhos e netos de Manoel Francisco Bernardes asseguraram o desenvolvimento
da Fazenda Quindins, tornando-a um símbolo familiar e receptivo na vila. Á
época em que propriedade se transformou em um hotel de relevância na região, destacaram-se
ali, em especial, os filhos de Antão e Luiza, ou seja, Antão Filho, Eurico,
Hilda, Carmem, Lauro e Rubem.
As construções de pedra bruta, pau-a-pique e adobe levantadas na área
patiense foram aos poucos cedendo lugar às casas de tijolos cozidos no decorrer
do século XX, porém muitos prédios e várias fazendas em Paty mantiveram, em
portas e janelas, o estilo rebuscado e colorido do período anterior
representado pela expansão de diversificadas culturas agrícolas, fato que se
pode verificar ainda hoje no Hotel Quindins, onde uma de suas mais antigas
dependências possui uma porta totalmente trabalhada em refinados almofadões de
madeira, encimada por uma abóbada decorada com espessos e custosos vidros
coloridos, um perfeito exemplo do bom gosto e do apuro profissional dos
notáveis marceneiros de então. Além de tal detalhe rebuscado e pós-moderno,
Quindins expõe até hoje (a despeito de algumas intervenções arquitetônicas
aleatórias) o toque personalíssimo e estudado de seus antigos proprietários. Se,
por um lado, portas, janelas e cornijas não apresentam tanto esmero em sua arte
final, pelo menos o seu acabamento dispõe de alguns detalhes especiais que bem
exemplificam o bom gosto e a criatividade da mão-de-obra encontrada naqueles
anos de intenso trabalho, comprovando o indiscutível talento dos
mestres-pedreiros e chefes-carpinteiros que, ano após ano, instalavam-se na
vila. Trabalhadas molduras limitavam e protegiam os contornos de janelas e portas
e múltiplos vidros garantiam abundante iluminação para quartos e salas. Por
fim, definindo o requinte das fachadas, barras espiraladas e linhas ovais
demarcavam os enfeites dos telhados, o que conferia ao conjunto final um ar
circunspecto, posto que leve e elegante.
Ao longo dos anos, os Bernardes optaram pela modéstia das varandas e das
estruturas das suas fachadas: nada de pórticos grandiosos, frontões
ornamentados, escadarias para futuros pavimentos, exageradas colunatas de
linhas gregas, arcadas, balaustradas, nem platibandas com estatuetas ou jarrões
tão comuns nas grandiosas construções fazendárias. O telhado com beiral simples
resolvia de maneira muito mais prática o problema de jogar a água das chuvas no
chão, prescindindo, assim, de calhas alongadas e condutores embutidos que
entupiam facilmente e ameaçavam com infiltrações o interior da casa. À medida
que a vida de seus ocupantes tomava contornos de trabalho mais nítidos, a
disposição dos cômodos principais em Quindins foi se aprimorando, até porque a
casa principal passou a se transformar em uma rígida e controlada posição de
alicerce familiar. Assim, o prédio original passou a fechar três dos lados de
um grande espaço quadrangular em torno do qual se agrupavam também as demais
dependências: sala de recepção, sala de jantar, cozinha, copa, dispensário,
sanitários etc.
É fato que Quindins veio à luz como casarão dotado de um só pavimento. Tirante
seu simpático delineamento horizontal, sua principal característica sempre foi
a existência de uma extensa varanda a proteger duas de suas fachadas, uma delas
conduzindo à principal porta de acesso. O gosto pela casa térrea (sem porão
baixo que servisse de senzala) certamente se originou nas clássicas chácaras
suburbanas que se popularizaram durante o século XIX. No caso de Quindins,
existe uma graça toda especial no fato de sua estrutura ser a chamada "casa
habitável", ou seja, aquela que pela sua funcionalidade específica, isto é, abrigar
uma linhagem de pioneiros nos derradeiros decênios do século XIX
pós-abolicionistas, punha de lado o condenável uso da mão escravizada.
Obviamente, na qualidade de pousada/hotel os serviços posteriores
receptivos determinaram a construção de anexos à casa principal. Assim,
apareceram apensos arquitetônicos de menor porte, porém de grande
funcionalidade (inclusive o famoso chalé destinado a jogos de mesa, passatempo
familiar aberto, também, a todos os hóspedes do hotel) e dependências de
retaguarda para acomodar novos descendentes dos familiares que administravam a
casa.
De qualquer forma, o prestígio de que se revestiu Quindins atraiu
visitantes e hóspedes dos mais variados naipes ao longo de várias décadas. Com
efeito, o Hotel registrou frequentes visitas de interessantes personalidades da
vida brasileira, tais como o escritor e radialista Sérgio Porto (o famoso Stanislaw
Ponte Preta), Isabel do vôlei, Ernâni Pires Ferreira (o saudoso locutor do
Jóquei Clube Brasileiro), o cantor Lulu Santos, o jogador Zico e outras figuras
de renome no país.
Ao longo de algumas décadas do século XX, Quindins passou pela
administração de membros da família, como Antão e Eurico e, após suas mortes,
recebeu os cuidados e a atenção de Eurico Junior e seu primo Carlos Rubem
(Caú). Glebas de seu extenso território foram divididas entre os herdeiros dos
Bernardes. O estabelecimento abandonou as atividades hoteleiras há algum tempo,
e o prédio principal, atualmente, encontra-se desativado, mas prestes a receber
reformas, intervenções arquitetônicas, ampliações modernizantes e melhorias
estruturais. Por outro lado, grande parte de terrenos periféricos à casa
original abrigam, atualmente, o Rancho Quindins, com atividades voltadas ao
lazer, ao turismo e à gastronomia.