Capítulo 21 - Portela, cidade operária
A Trajetória Histórica do Município de Miguel Pereira
31/12/2021
Historiador Sebastião Deister
Edição 378
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Nas três
primeiras décadas do século XX, Governador Portela prosperou rapidamente em
função dos trabalhos da ferrovia ali executados em larga escala. Transformada
em um centro de gerência, fiscalização e manutenção das viagens pela Linha
Auxiliar, a vila passou a abrigar inúmeras famílias de ferroviários - entre
escriturários, maquinistas, mecânicos, soldadores, serralheiros, funileiros,
torneiros, telegrafistas e outros - multiplicando assim sua população e
apresentando um crescimento urbano mais visível e acelerado do que aquele
verificado na Estiva.
Se por um
lado sua vizinha calcou sua prosperidade social e arquitetônica na construção
de sítios, casas de campo e chácaras e, ainda, numa agressiva abertura de
atividades comerciais especializadas - o que lhe trouxe um fluxo turístico
muito rico -, Portela converteu-se numa cidade operária de características
próprias e únicas, peculiaridades que até os dias atuais tanto a diferencia de
Miguel Pereira. Afinal, Portela descobrira-se, de súbito, beneficiada pela
instalação de um majestoso e sóbrio depósito de manutenção ferroviária e pela
criação de um horto florestal inteiramente dedicado à plantação de eucaliptos
cujos troncos seriam utilizados pela Linha Auxiliar, a exemplo, aliás, de outra
área idêntica implantada em Avelar. Essas atividades tão especiais,
desenvolvidas em alto nível em Portela, demandaram o concurso de dezenas de
trabalhadores muito bem qualificados. Por conseguinte, logo após o advento do
século XX, a localidade já exibia uma população de profissionais altamente
especializados e muito bem treinados nos segredos de gerenciamento e manutenção
de uma linha férrea.
Dinâmica,
impaciente, movida pela urgência de atividades tão essenciais para a perfeita
integração de todo o Sul do Estado do Rio, a ferrovia de imediato assumiu a
posse dos terrenos estrategicamente situados aos longos de seus trilhos, e
alguns anos depois de sua triunfal chegada às montanhas assenhoreou-se também
das terras voltadas para a área de Morro Azul e Sacra Família, por onde cravou
o seu ramal em direção a Vassouras, sempre tendo Portela como fulcro principal
de direção. Tamanha era a febre de trabalho da estrada de ferro e a importância
de Portela dentro da malha viária serrana que, pouco tempo após a inauguração
de sua estação, a cidade já contava com cerca de 203 moradias, entre elas a
casa do engenheiro residente, do agente da estação e de outros funcionários
essenciais à ferrovia.
Com
efeito, criava-se no entorno da confortável estação um apreciável núcleo
populacional: até hoje, permanecem ali as antigas, saudosas e simpáticas
casinhas construídas pela estrada de ferro, ainda chamadas carinhosamente pelos
moradores de "Vila Operária", em cujos cômodos nasceram e cresceram personagens
fundamentais para o posterior desenvolvimento da cidade e consequente
prosperidade da ferrovia e por extensão, do nosso próprio município.
O
extraordinário movimento determinado pela passagem dos trens e os múltiplos
serviços de embarque e desembarque de mercadorias em Portela motivou, em tempo
relativamente rápido, a necessidade de criação de diversas casas comerciais que
pudessem atender as pessoas que circulavam pela Vila em número cada vez maior.
Realmente, mais para o centro do povoado foram nascendo pequenos
estabelecimentos montados pelos filhos dos primeiros habitantes do lugar ou por
alguns imigrantes decididos a vencer na vila: aqui e ali, tímida, porém
resolutamente, surgiam bares cativantes, quitandinhas cheirosas, farmácias
perfumosas, armazéns novidadeiros, açougues azulejados e lojinhas de miudezas e
aviamentos por cujos corredores as donas de casa poderiam se encontrar para
assuntar alguns espantosos mexericos do lugar além de suas compras mais
urgentes.
Assim,
com a conclusão das obras do 9º Depósito de Manutenção da Ferrovia, a abertura
das atividades do horto florestal e a inauguração do Ramal de Vassouras,
Governador Portela saboreou um célere crescimento e, por consequência, passou a
administrar um considerável incremento de sua população. Aliando o trabalho ao
lazer do futebol e à cultura da banda de música, a Vila de Portela prontamente
viu-se convertida em uma cidadela empreendedora, participativa, eficiente,
agradável e progressista, virtudes que a fariam ser ungidas com várias benesses
oriundas do governo instalado em Vassouras, entre as quais o título de 9º
Distrito Municipal.
Senai
Outrossim,
Portela ainda se viu ungida pela criação de um excelente centro de formação de
artífices, cujos alunos, uma vez formados, eram de pronto empregados pela
ferrovia em seus quadros profissionais, ou seja, a fundação, em 24 de outubro
de 1942, da Escola Profissional Carvalho de Souza, posteriormente SENAI e hoje
abrigando uma escola municipal.
Estiva
Distanciada
tão-somente quatro quilômetros de Governador Portela, a Estiva trilhava um
caminho particular e bem diferenciado de Portela, embora as duas vilas tivessem
a ferrovia como ponto comum e indissociável de seu crescimento. Enquanto em
Portela os ferroviários buscavam se concentrar em pontos próximos da estação -
até mesmo para facilitar seu acesso ao trabalho - na Estiva as vias de
penetração e ocupação do solo distenderam-se velozmente para os recantos mais
remotos do coração do povoado. Aproveitando as áreas planas localizadas aos pés
das colinas que circundavam a várzea do riacho do Sacco, influentes famílias de
imigrantes (como Masô, Peralta, Lucci, Conceição, Marzullo, Fraga, Machado
Bitencourt, Delamare, Sodré, Januzzi, Spino, Barile e muitas outras)
resolutamente abriam bairros largos e arejados, rasgavam ruas e vielas,
construíam sítios confortáveis e montavam um amplo e diversificado comércio,
este sim, nas proximidades da estação ferroviária firmemente assentada nas
terras não utilizadas pelos nobres do século XIX e enfim valorizadas pelos
novos ventos do progresso.
Foi dessa
forma lenta, porém tranquila e obstinada - ao longo de décadas marcadas por
dificuldades monumentais e por vezes quase invencíveis - que os homens e as
mulheres da Serra do Couto impuseram sua marca pelas colinas e fundaram com
otimismo, determinação e fé as suas queridas cidades de veraneio, hoje uma
referência turística e social no Sul Fluminense.
Na próxima edição: Portela: Seu progresso, Seu
lazer e Seu Comércio - Parte 1