As atividades de ensino em Miguel Pereira: os primórdios

Capítulo 30 - A Trajetória Histórica do Município de Miguel Pereira

 04/03/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 387
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Nos albores do século XX, o ensino regular ministrado às crianças da Estiva e, por extensão, aos jovens de Portela, constituía uma séria preocupação para as famílias serranas. É sabido que, pela ausência de escolas que atendessem às necessidades primordiais de educação da juventude dessas vilas, as próprias mães, tias e, por vezes, algumas abnegadas senhoritas encarregavam-se de repassar as primeiras letras a seus filhos, sobrinhos, a conhecidos mais íntimos e vizinhos próximos. Para tanto, geralmente utilizava-se alguma sala ociosa de uma ou outra casa mais ampla construída no centro de um dos povoados e cedida graciosamente por uma família também interessada em colaborar nessa tarefa tão essencial. Afinal, ia longe o tempo em que os ricos proprietários de fazendas e sítios davam-se o luxo de contratar preceptores exclusivos para seus filhos, e em virtude dos novos tempos que se avizinhavam, novas providências precisavam ser implementadas com urgência e criatividade. Ao longo de praticamente duas décadas, a velha Estiva limitou-se ao ensino empírico, gratuito, desprendido e mesmo complicado unicamente sustentado por meia dúzia de famílias mais abastadas e solidárias.

Entretanto, em 1927 já se encontrava em funcionamento na emergente Miguel Pereira a chamada Escola Pública, instalada em um velho e precário casarão erguido no terreno onde hoje se levanta o novo prédio da Fornemat Ltda., bem no coração da cidade, naquela mesma área onde, nos anos sessenta, Antônio "Falafina" administraria o seu movimentado posto de gasolina.

Essa Escola Pública ministrava tão-somente aulas básicas para as três primeiras séries do Curso Primário, e nela trabalharam professoras ciosas e competentes como Maria de Lourdes Martins de Araújo e Carmem Gedal Ribeiro, provavelmente as primeiras mestras com formação em magistério a se estabelecer na nascente Miguel Pereira e que podem ser hoje consideradas como as verdadeiras pioneiras do ensino em nossa cidade, a exemplo do professor Estevão Fasciotti em Portela.

Ao término de cada ano letivo, a avaliação do aproveitamento da garotada era levada a efeito com rigor quase militar e extrema disciplina pelo Inspetor José Antônio Maia Vinagre, que vinha de trem de Paraíba do Sul unicamente para testar o grau de escolaridade dos alunos da Serra. Eram dias de ansiedade e até tormento para os jovens estudantes de Miguel Pereira, pois a figura impoluta e carrancuda daquele homem alto, desconhecido e severo, enfiado em um terno negro e justo, infundia nas crianças não somente respeito, mas, em especial, um misto de pavor e nervosismo, sensações também manifestadas pelas próprias professoras.

Completando três anos de estudo, os adolescentes locais não vislumbravam outra alternativa a não ser tentar algum tipo de trabalho no comércio da Vila, uma vez que, para prosseguir nos estudos, eles precisariam seguir para o Rio de Janeiro, Vassouras ou mesmo Paraíba do Sul e Três Rios, valendo-se dos precários meios de transporte da época - dos quais o trem era o mais viável e seguro - e contando, é claro, com as condições financeiras e a boa vontade dos pais. Para aqueles que contavam com parentes naquelas cidades, em cujas casas poderiam alojar-se, a tarefa de se mudar revelava-se cômoda e até mesmo atraente para um jovem da roça, porém, para a grande maioria de jovens nascidos no seio de famílias extremamente pobres, não havia outra solução para suas vidas senão permanecer nos povoados serranos e tentar a sobrevivência no comércio, na construção civil, na ferrovia ou em atividades agrícolas e pecuárias.

No que diz respeito aos rapazes que nada conseguiam na área do comércio a varejo, o aprendizado como pedreiros, marceneiros, pintores e mecânicos passou a ser um serviço bastante valorizado nas Vilas e, por consequência, formou-se na região, pelos anos vinte e trinta, um corpo de excelentes profissionais no ramo de construção civil. Também a ferrovia revelou-se uma tábua de salvação para grande parte da população masculina, pois nela empregaram-se centenas de jovens logo encarregados de executar os serviços de manutenção dos trilhos, fabricação de dormentes e fiscalização de oficinas, além dos trabalhos de apoio em carpintaria, tornearia, administração de escritórios e almoxarifado, pintura de estações, controle de cargas e limpeza de vagões, venda de passagens, conservação de semáforos e trilhos e - claro - especialização nas atividades de maquinista e foguista.

Atendendo aos insistentes rogos da população miguelense, a administração pública de Vassouras - comandada pelo então prefeito Dr. Hilton Nabuco de Castro - criou, em 3 de maio de 1928, uma pequena escola nas proximidades da entrada do atual bairro Praça da Ponte, origem da Escola Estadual Governador Miguel Couto Filho que ali funcionou por vários anos. Com isso, a antiga Miguel Pereira passava a dispor de dois estabelecimentos de ensino básico, fato que muito ajudou a fomentar o Curso Primário na Vila. É certo, também, que nove anos depois da providência tomada pelo prefeito de Vassouras, e por razões inteiramente inexplicáveis, tanto a escola quanto as professoras seriam transferidas para o logradouro de Monsores, em Ato Administrativo datado de 10 de junho de 1937. De qualquer forma, Miguel Pereira já engatinhava com disposição e segurança pelos árduos caminhos do ensino primário em função dos trabalhos cada vez mais intensos de alguns próceres do lugar.

Deve-se lembrar que os mesmos problemas enfrentados pelos rapazes à procura de serviço incomodavam também as senhoritas do lugar, estas ainda mais ansiosas e preocupadas em razão do restrito campo de trabalho oferecido na época às mulheres de um modo geral, até porque os entraves sociais, trabalhistas e mesmo preconceituosos de então não contemplavam o sexo feminino com as mesmas vantagens e oportunidades oferecidas aos homens. Confrontadas com tantas limitações, as mocinhas miguelenses buscavam nas prendas domésticas um meio de sustentação imediato, posto que bem mais discreto: costura, bordados ou fabricação de doces caseiros tornaram-se atividades quase corriqueiras entre as famílias locais, transformando-se, em alguns casos, em um trabalho que gerava lucros parcos, porém muito interessantes para várias senhoritas do lugar.

As sementes plantadas pela rudimentar Escola Pública de Miguel Pereira na década de vinte e mesmo pela desativada Escola da Praça da Ponte germinaram com grande viço ao longo dos anos trinta, nutridas principalmente pelos trabalhos coordenados por Carmem e Lourdes e, algum tempo depois, pela chegada de outras professoras à região. O apoio decisivo prestado por influentes famílias miguelenses e por alguns políticos que já circulavam pela Vila acabou por criar irresistíveis pressões sobre Vassouras, cujos prefeitos, por fim, convenceram-se da premente necessidade de implantar em Portela e em Miguel Pereira as escolas tão desejadas pelos seus habitantes.

Tanto foi assim, que em um pequeno lapso de tempo, organizou-se em nossa terra um corpo docente de altíssima qualidade e conseguiu-se, através da eficiente interferência de vereadores da época, a cessão de um antigo e espaçoso casarão para a montagem de uma nova escola, na então chamada rua Cipriano Gonçalves, 35, atual rua Áurea Pinheiro, hoje substituído pelo Centro Clínico de Miguel Pereira.

Na próxima edição: A Escola 13 de Maio