O asfaltamento entre Miguel Pereira e Paty do Alferes
Da Praça da Ponte até o centro de Paty o sacrifício imposto por uma simples viagem, de automóvel ou de ônibus era memorável: poeira intragável e buracos traiçoeiros em épocas secas e lama viscosa e imunda durante as chuvas
19/08/2022
Historiador Sebastião Deister
Edição 411
Compartilhe:
A demanda por locais de interesse turístico mais
afastados e a necessidade de comunicação rápida com outros logradouros do
Tinguá, como Vera Cruz, Fragoso, Ferreiros e Vassouras, levaram os primeiros prefeitos
(especialmente Frederico Wängler, José Antônio da Silva e Manoel Guilherme
Barbosa) a providenciarem sensíveis melhorias nas estradas vicinais do nosso
território, dessa maneira oferecendo aos pequenos agricultores e pecuaristas da
periferia miguelense plenas condições de transportarem seus produtos para
comercialização direta e mais eficiente em nossas áreas urbanas.
Por conseguinte, todos os tipos de veículos passaram
a circular em número apreciável pelas localidades da serra, desde Sertão (hoje Conrado)
até Avelar. É certo que, entre Portela e Miguel Pereira, já não havia problemas
com a pavimentação, mas da saída da Praça da Ponte até o centro de Paty do
Alferes o sacrifício imposto por uma simples viagem - fosse de automóvel, fosse
de ônibus - era memorável: poeira intragável e buracos traiçoeiros em épocas
secas e lama viscosa e imunda durante as chuvas causavam atrasos irritantes em
um trecho tão curto, quebras e defeitos nos veículos e até mesmo pequenos
acidentes com as "fuzarcas do Nacip", além, é claro, de uma enxurrada de
críticas e impropérios por parte de seus usuários e dos moradores de suas
margens contra motoristas imprudentes, prefeito negligentes, vereadores
insensíveis e representantes do governo estadual que esporadicamente por aqui
se aventuravam tão-somente para pedir votos.
Com a entrada dos anos sessenta, mostrava-se mais do
que urgente a necessidade de pavimentação da estrada até Paty do Alferes: era
uma obra inadiável e fundamental, não sendo mais admissível que duas cidades
progressistas e geradoras de impostos e riquezas permanecessem por vezes
isoladas entre si em função do descaso e da indiferença das autoridades constituídas.
Pressões populares e movimentos políticos de grande envergadura levaram à
formação de uma Comissão Pró-Construção e Asfaltamento do trecho da então RJ-17
até Paty do Alferes, em cuja presidência seria empossado o Dr. Mário Duprat.
Engenheiro químico, dono de um belo sítio em Javary e conhecido em vários
círculos sociais e políticos importantes do Rio de Janeiro - cidade onde
administrava sua empresa de produtos veterinários, - Duprat de pronto
revelou-se um intransigente defensor das causas serranas junto às autoridades
estaduais, consciente que estava da legitimidade daquela obra. Sua iniciativa
arregimentou a colaboração de alguns amigos de alto prestígio na região, como
Geraldino Fraga e o próprio Nacip Tamer, e jogando habilmente com sua
influência no Rio de Janeiro conseguiu enfim convencer as autoridades a
completar a pavimentação asfáltica entre Miguel Pereira e Paty do Alferes. É
inegável, também, que a Prefeitura de Miguel Pereira desempenhou papel
primordial nesse processo. Corria no município a primeira gestão de Manoel
"Nelzinho" Guilherme Barbosa, que dispunha de alguns trunfos para convencer o estado:
seu Procurador Jurídico na ocasião era o Dr. Domingos Vieira Muniz, cujo
sobrenome não deixava dúvida quanto a seu prestígio na região; a combativa e
respeitada professora Aristolina Queiroz de Almeida respondia pela Secretaria
de Educação; a Secretaria de Obras e
Viação estava em mãos do Coronel Hylson Luís da Silveira; o Pároco Frei José
Kropf coordenava os serviços municipais de Assistência Social; José Paulo de
Azevedo Sodré, neto do professor Miguel Pereira, respondia pela área
agropecuária do município e - como se fora a carta escondida na manga - o
Departamento de Turismo estava sob a responsabilidade de Abraham Medina,
proprietário das lojas Rei da Voz, no
Rio de Janeiro, homem de esmagador peso social nos altos círculos
cariocas do poder. Nomes como esses jamais seriam ignorados pelo então
Governador Geremias de Mattos Fontes. Em curto prazo, inaugurava-se a
pavimentação asfáltica entre Miguel Pereira e Paty, o que permitiu às demais
áreas periféricas das duas cidades um considerável crescimento demográfico e um
novo e lucrativo aumento turístico e comercial, além, naturalmente, do fomento
aos trabalhos de construção civil tanto no centro dos municípios quanto em
bairros e loteamentos que surgiam por diversas áreas de Paty, Miguel Pereira e
Portela. Paradoxalmente, o crescimento das cidades serranas acabaria por
provocar a extinção da ferrovia. Pode-se entender este fenômeno quando se
analisa o fato de que as rodovias asfaltadas passaram a oferecer rapidez nas
viagens e barateamento dos custos de transporte pela serra, diminuindo assim as
despesas finais e os encargos sociais por vezes muito altos para estrada de ferro.
Afinal, enquanto a Maria Fumaça e, posteriormente, as pesadas e lentas máquinas
a diesel viam-se na contingência de consumir quase quatro horas de penosa
viagem entre Japeri e Miguel Pereira, automóveis e ônibus cobriam o mesmo percurso
em duas ou, no máximo, duas horas e meia.
A mesma observação aplicava-se ao transporte por
caminhões: estes veículos traziam todo e qualquer tipo de mercadoria em tempo
mais curto e por vezes a custos mais baixos - sem o inconveniente de se
proceder a um translado sacrificado em Japeri, passando-se dos trens do ramal
elétrico de Marechal Hermes para as composições puxadas pela Maria Fumaça. Por
conseguinte, as vantagens econômicas e a rapidez dos serviços prestados por via
rodoviária deram causa ao irreversível declínio dos trabalhos históricos até
ali prestados pelos morosos, porém eficientíssimos comboios de carga.
Tendo em vista o acúmulo de prejuízos no início dos
anos sessenta, já entre 1969 e 1970 desativava-se o Ramal de Vassouras,
inaugurado com pompa pelo presidente Hermes de Fonseca em 1914, fato que causou
profunda comoção social em Portela: antigos ferroviários eram aposentados
compulsoriamente, outros eram demitidos sem maiores delongas, muitos viram-se
transferidos para cidades distantes e desconhecidas e uma onda de desânimo,
tristeza e decepção amortalhou as belas instalações ferroviárias de Portela,
Morro Azul, Sacra Família e Vassouras. A paralisação das atividades da Estrada
de Ferro no Tinguá mostrava-se inexorável. Com o tempo, o fluxo rodoviário
desenvolvido pela RJ-17 (posteriormente designada pelo DNER como RJ-125) levou
a direção da Linha Auxiliar a uma situação de quase insolvência: os trens de
passageiros logo desapareceram, permanecendo pela serra apenas um reduzido movimento
de trens de carga, estes também suprimidos na década de setenta.
O choque provocado pela eliminação dos trabalhos
ferroviários no município foi esmagador, vindo Portela a ser a localidade mais
prejudicada por tal decisão. Entretanto, em época não muito longínqua toda a
região enfrentara situações muito mais adversas sem esmorecer ou desistir: era
chegada, novamente, a hora de lutar, de buscar soluções e progredir a qualquer
preço. Restava assim, para Miguel Pereira e seus logradouros, somente uma opção:
enfrentar e contornar os problemas, e mais uma vez, vencer social e
economicamente!
IMAGEM:
Obras de alargamento da estrada no limite entre Miguel Pereira e Paty do
Alferes para distanciamento do Córrego do Sacco, curva hoje chamada Ronco
D'Água.
Na próxima edição: Casas e loteamentos pioneiros no município