Casas, ruas e loteamentos pioneiros do município Parte 1

Trajetória Política e Social de Miguel Pereira

 26/08/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 412
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Com a consagração da Capela de Santo Antônio em 13 de junho de 1897, e após a inauguração das estações ferroviárias em 29 de março de 1898, as Vilas da Estiva e de Governador Portela experimentaram um acelerado impulso de desenvolvimento, acompanhando prazerosas o surgimento de novas oportunidades de vida e trabalho pelas colinas. Obviamente, as ofertas de serviço mais especializado mostravam-se ainda muito limitadas. As dificuldades de locomoção pelas áreas e bairros mais distantes dos dois distritos complicavam bastante as necessidades diárias das famílias carentes estabelecidas pelos arredores da região. Além do mais, algumas doenças afetavam crianças desamparadas e adultos pouco informados sobre regras básicas de higiene e assepsia, e uma situação de extrema carência em algumas comunidades mais longínquas do centro do município atingia com força grande parte da população que, apesar de tudo, persistia no afã de erguer suas casas, por vezes bem simples, ao longo da periferia dos povoados em formação.

Todavia, alguns fatores sociais lentamente reverteriam esse quadro à primeira vista tão desalentador. Os trens, circulando diariamente, permitiam buscar socorro em centros urbanos mais prósperos, os ainda influentes donos de terras promoviam o desmembramento de suas propriedades visando à criação de loteamentos que atendessem a demanda de novos moradores e algumas famílias ilustres e abastadas chegavam do Rio de Janeiro para levantar nas vilas seus sítios confortáveis e suas elegantes moradias de veraneio.

Com a sequência de tais acontecimentos, implantou-se pela região, no período de 1900 a 1910, um fluxo maior de pessoas e mercadorias cuja consequência imediata foi a abertura de modestas lojas de roupas e tecidos, de acanhados botequins de uma única porta e de bem abastecidos empórios de "secos e molhados", simultaneamente à gradual ocupação da ensolarada várzea do córrego do Sacco pelas firmes casas erguidas pela Estrada de Ferro.

Por outro lado, as admiráveis qualidades climáticas do território continuavam a atrair um sem-número de pessoas para a serra. Com poder aquisitivo mais substancial, podiam elas vir para Miguel Pereira e Portela nos finais de semana ou nos meses de verão, fugindo do calor implacável do Rio de Janeiro e gozando suas férias no interior. A circulação dessa espécie de visitante pela serra cunhou nas vilas o termo "veranista", que designava especificamente as famílias que aqui se estabeleciam entre os meses de dezembro e fevereiro. Tal rótulo, por muitas décadas, foi usado para diferenciar os pacatos nativos dos buliçosos forasteiros, já que somente a partir dos anos sessenta seriam estes mais adequadamente conhecidos como turistas.

A excelência do clima, a abundância e pureza da água da montanha, o equilíbrio perfeito de temperatura, a cobertura vegetal luxuriosa e a fertilidade do solo de pronto transformaram-se em fatores de estímulo ao cultivo da terra, fazendo nascer pelas áreas adjacentes a Miguel Pereira uma expressiva atividade agrícola que, associada à pecuária  organizada nos últimos anos do século XIX,  serviu de base para a  sobrevivência de numerosas famílias estabelecidas em pontos mais afastados dos núcleos comerciais das vilas serranas. Assim, os sítios produtores de legumes, verduras e frutas e os ativos abatedouros de onde provinham a carne, a gordura, o toucinho, o leite, o queijo e a manteiga descobriram-se capazes de oferecer trabalho a alguns pioneiros ainda desempregados e a muitos descendentes dos antigos escravizados que perambulavam pelos povoados em busca de uma oportunidade. Como resultado prático dos serviços desenvolvidos nessas chácaras e fazendolas, apareceram pelas ruas ainda esburacadas de Miguel Pereira e Governador Portela as concorridas feiras dominicais e as improvisadas, porém muito bem providas quitandas de esquina.

Tanto Portela quanto Miguel Pereira progrediram à sombra de algumas particularidades estéticas até hoje observáveis em suas casas e ruas. A própria arquitetura da época inicial do século XX determinou várias e sensíveis disparidades entre as duas vilas. De fato, Portela obrigou-se a aceitar o estilo trazido pela ferrovia: casas simples, funcionais e conjugadas para os funcionários, pequenos sobrados para os comerciantes, emprego farto - porém de disciplina e horário rígidos - e máximo aproveitamento dos terrenos escolhidos pela Estrada de Ferro para sua definitiva implantação no lugar.

Por seu turno, Miguel Pereira posicionou-se na dependência direta das posses e do bom gosto de imigrantes, veranistas e outros visitantes de bolsa mais farta que, fascinados pelo clima serrano, aqui vieram enraizar seus negócios e constituir suas famílias, para elas construindo residências bem mais amplas, de largos quintais e livres de qualquer imposição que não fosse aquela ditada pelo seu próprio poder de escolha e bom gosto. Com o escoar das décadas de vinte e trinta, surgiram então pela vila miguelense residências mais características e seus sítios mais importantes e espaçosos, todos identificados com o peculiar estilo arquitetônico conferido à cidade: casas largas e avarandadas com pátios amplos e normalmente ajardinados, peculiaridades em geral não observadas em Portela em virtude das austeras determinações trazidas pela ferrovia que, por economia e  urgência, normalmente edificava suas residências em lotes pequenos a fim de poder usufruir de um número maior de casas em uma área mais restrita.

 

Foto: Casa de Francisco Alves, à Rua Luís Pamplona (não existe mais). De pé, no segundo degrau, Abraham Medina e esposa

 

Na próxima edição: Casas, Ruas e Loteamentos Pioneiros do Município - Parte II