Casas, ruas e loteamentos pioneiros do município Parte IV

Trajetória Política e Social de Miguel Pereira

 14/10/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 419
Compartilhe:       

Em um terreno nos fundos de seu armazém à Rua Gal. Ferreira do Amaral, Alberto Francisco Corrêa levantou sua residência definitiva, nela criando, ao lado da esposa Elydia de Lima Corrêa, toda a família formada por quatro filhas (Sebastiana, Hercília, Luiza "Zinha" e Antonieta) e três filhos (Adélio, Lincoln). Alguns descendentes de Alberto Corrêa ainda vivem em Miguel Pereira, sendo que um dos seus netos - Eduardo Paulo - ocupa a cadeira de presidente da Câmara de Vereadores no município.

Particularmente entre 1914 a 1923, o Armazém do Corrêa converteu-se num ponto de referência muito famoso em Miguel Pereira e um local de encontro entre ilustres personagens da vila, que ali faziam suas compras regulares de gêneros de primeira necessidade. Bem localizado junto à linha férrea, amplo e sortido, o empório vendia de tudo, desde pregos, arames, dobradiças, cobertores e toalhas a açúcar, sal, farinha, fubá e carne-seca. Somente depois do aparecimento do armazém de Calmério "Juju" Rodrigues Ferreira, na Rua da Igreja (atual Calçadão do Viô), e do empório de Avelino Lopes Ribeiro, também ao lado dos trilhos (hoje Bar Leal e agência das loterias da CEF), o estabelecimento de Alberto Corrêa passou a enfrentar uma concorrência mais expressiva em Miguel Pereira. Nos anos cinquenta, seus descendentes repassaram o comércio para o senhor Irineu Pinto, que o administrou por largo tempo, até que, nos últimos anos da década de setenta, todas as suas instalações foram demolidas para que, naquele terreno privilegiado, fosse erguido um prédio destinado a abrigar o Banco BANERJ (agora substituído ela agência do Itaú) e um Posto de Atendimento da Coletoria Estadual em Miguel Pereira.

A Rua da Estação ganhava assim, lenta, mas firmemente, a condição de inigualável área de comércio e negócios em Miguel Pereira. Nela surgiram, logo em seguida, o grande bar de Francisco Marinho Andreiolo e o escritório da Construtora Summerville, posteriormente dali transferida para que suas instalações abrigassem a primeira sede social do Miguel Pereira Atlético Clube, prédio que posteriormente acomodou a Loja Telstar, desaparecida para que ali se instalasse a Gasparzinho Tintas. Infelizmente, diversas obras de remodelação realizadas nesta casa antiquíssima fizeram desaparecer as belas características internas e externas do histórico e pioneiro escritório da Construtora Summerville, cuja fachada hoje pode ser relembrada tão somente através de velhas fotografias.

Mais adiante, o imigrante Nagib Ahouage logo inaugurava o seu renomado e procuradíssimo "Bar do Nagib", de imediato apelidado pela população local como simplesmente o "bar do Turco" ou o "bar da Estação", acontecimento que vinha confirmar a máxima da época, muito divulgada pelo Tinguá, que dizia ser obrigatório toda cidade brasileira em formação ter um árabe no comando de alguma loja: assim foi com Nagib, Dau, Levy e Farah em Miguel Pereira e com Calile e Abdon, em Portela.

Embora fosse uma construção modesta de pau-a-pique, o estabelecimento de Nagib era muito amplo, bem ventilado e dotado de duas extraordinárias novidades para os seus frequentadores diários: mesas e cadeiras para os visitantes não apressados e uma espaçosa e arejada varanda onde seus clientes podiam se sentar para sorver uma pinga de qualidade e comer um torresminho nas indolentes tardes de domingo ou quando da espera de algum trem vindo do Rio de Janeiro.

Baixinho, agitado e rotundo, porém bastante simpático e falante, Nagib sabia como conquistar sua freguesia: mesmo que estivesse atarefado, sempre descobria um tempinho para trocar um palavreado informal com seus amigos, a despeito de seu forte sotaque árabe. Afinal, ali reuniam-se trabalhadores e admiradores de Miguel Pereira: funcionários da ferrovia, pedreiros, carpinteiros e pintores encarregados da construção civil da vila, veranistas trazidos pelos trens, caixeiros-viajantes, tropeiros e agricultores que vinham "ao centro da cidade" para fazer suas compras de fim de semana... Como não atender a tal clientela com cortesia e rapidez?

Por um longo período o Bar do Nagib representou o local perfeito para encontros de negócios e bate-papos descontraídos entre amigos, ampliando ainda mais sua importância após a chegada da energia elétrica a Miguel Pereira. De fato, com a aquisição de um refrigerador industrial - fantástica notícia para a cidade! - Nagib finalmente estava em condições de oferecer a seus numerosos clientes uma cerveja gelada, novidade que fez aumentar sua clientela e elevou às alturas o prestígio do seu bar. Contudo, é preciso lembrar que anos depois o estabelecimento passaria às mãos de Vanderlei José Luiz, apelidado Paquinha, que por muito tempo ali trabalhou, oferecendo aos clientes os seus famosos pastéis. O bar do Paquinha ganhou fama e relevância e acabou se tornando um ponto de referência e encontros no centro de Miguel Pereira, principalmente para os torcedores do Flamengo, clube pelo qual Paquinha era fanático. Com a prematura morte de seu dono, o ponto comercial perdeu interesse, entrou em declínio e acabou desaparecendo dos ares miguelenses. No local existe, apenas, um terreno vazio e sem qualquer uso prático. Importante registrar que Paquinha fez parte das primeiras tropas brasileiras (os chamados Pracinhas) que integraram a missão de paz das Nações Unidas no Canal de Suez, no Oriente Médio, nos anos cinquenta, quando do conflito entre Israel e Egito.

Deixando momentaneamente a Rua da Estação, precisamos lembrar que, um pouco acima da Rua Luiz Pamplona, em dado momento surgiu na cidade o Açougue de Sebastião Portela, pecuarista que, chegado a Miguel Pereira, de pronto alimentou uma rivalidade tensa e histórica com o "todo-poderoso" Juju.

Homem dotado de grande capacidade de trabalho, decidido e corajoso, Tião Portela veio para nossa terra com o intuito de aqui vencer e criar sua saudável prole de 11 filhos. Casado com D. Izolina Ayrão Portela, ele jamais se mostrou intimidado com as avançadas agressivas e os recados desaforados de Juju, que não admitia ter concorrência na vila. Algumas altercações entre aqueles dois homens turrões e valentes tornaram-se célebres em Miguel Pereira, mas totalmente indiferente às ameaças do adversário, Tião Portela instalou o seu "Açougue Portela" na Rua Luiz Pamplona, em um terreno ocupado, nos finais dos anos noventa, pela Clínica Obstétrica de seu filho, o Dr. Élcio Portela, consultório não mais existente. Entretanto, buscando um melhor ponto comercial, Tião Portela logo transferiu seu estabelecimento para a Rua Gal. Ferreira do Amaral, tornando-se vizinho de Nagib Ahouage. A propósito, o açougue permanece em mãos da família até os dias atuais.

Imagem: O famoso Bar do Paquinha

 

Na próxima edição: Casas, Ruas e Loteamentos Pioneiros do Município - Parte V