O comerciante Avelino Ribeiro (citado no texto anterior) administrou também um segundo armazém em Miguel Pereira

Casas, ruas e loteamentos pioneiros do município - Parte VI

 28/10/2022     Historiador Sebastião Deister      Edição 421
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O comerciante Avelino Ribeiro (citado no texto anterior) administrou também um segundo armazém em Miguel Pereira, este localizado junto à Farmácia de Bonifácio Portella, nas proximidades da atual agência da Caixa Econômica da cidade.

Aquele inquieto comerciante não se contentou em dedicar-se apenas às transações com gêneros alimentícios, pois alguns anos depois passou a explorar os serviços de taxi - na época conhecidos pelo romântico nome de "carros de praça" - ao lado de outros motoristas pioneiros como Pedro "Sapateiro", Antônio "Tuneca" de Araújo Leitão, Paulo "Chofer" Augusto Machado, Argeu Abreu Pinheiro, Alvanir de Lima Ferreira e Manoel Guilherme Barbosa. Esses "choferes de praça" introduziram na serra o hábito de aluguel de automóveis, e por um longo espaço de tempo conseguiram impressionar os moradores do lugar ao perambular pelas ainda esburacadas ruas de Miguel Pereira e Portela dirigindo seus sacolejantes e estrepitosos carros de frete.

Avelino era um homem extremamente volúvel que tinha enorme capacidade de mudar de hábitos da noite para o dia, jamais gerindo por muitos anos o mesmo tipo de negócio. Apreciava a venda e a troca frequente de mercadorias e, em consequência dessa personalidade instável, repassou seu armazém principal para a família Real, que de imediato o transformou num dos bares mais amplos e confortáveis do largo do Machadinho. "Seu" Real e a esposa Filomena administraram esse bar por muitos e muitos anos e graças à estabilidade de seu trabalho criaram em Miguel Pereira todos os seus filhos, deixando na cidade vários descendentes. O prédio ainda permanece no mesmo local, exibindo algumas modificações em sua fachada, é verdade, mas com quase todas suas características originais ainda intactas. Hoje, é administrado pelos filhos de Heleno Leal, que o adquiriu de Filomena Real na década de sessenta, mantendo o estabelecimento com o mesmo tipo de comércio e executando ainda alguns serviços para a Loteria Federal.

O crescimento do humilde miolo da Vila não parou por aí. Bem ao lado do Bar Real, o Dr. Jannuzzi - o mesmo que projetara o sítio dos Machado Bitencourt e vendera uma área de terras para "Tuneca" Leitão no trecho que nos dias atuais corresponde à parte da rua Francisco Machado - construiu sua loja de variedades, comprada em 1951 por Maria Badolati para servir de sede à loja "A Vencedora", um marco no ramo de tecidos e roupas prontas na antiga Miguel Pereira pré-emancipacionista.

Já seguindo em direção à Igreja de Santo Antônio pela rua batizada como Maria José (em homenagem a Maria José Lobo Machado Bitencourt, agora Calçadão do Viô seguido pela Praça João XXIII), o farmacêutico José Ferreira Gomes - chegado de Avelar com a esposa Ilka e mais nove filhos - erguia bem na esquina com o Largo do Machadinho a sua concorrida e novidadeira "Pharmácia Gomes", cujas peculiaridades estéticas desapareceram em função de dezenas de modificações estruturais levadas a cabo pelos seus atuais proprietários, que alteraram suas divisões internas e violentaram sua fachada histórica para ali montarem o Skina Restaurante, já desaparecido, espaço atualmente abrigando uma loja da rede de drogarias FarMelhor.

Logo à frente, pelo lado direito da rua, precedido pela pioneira papelaria do Sr. Motta, tínhamos o açougue e o armazém de Calmério Rodrigues Ferreira, o Juju, seguido pela padaria de José Guedes, prédio agora ocupado pela loja Pardal Tintas, havendo entre eles um pequeno estabelecimento que abrigaria, posteriormente, o Bar do Laerte, muito conhecido e frequentado e já desaparecido. Lembre-se que na área do velho empório de Juju surge hoje um conjunto de pequenas lojas constituindo um interessante shopping-center.

Seguindo pelo lado direito da rua Maria José, na junção com a rua Machado Bitencourt, Pedro "Sapateiro" Vergnano montou um grande empório de variedades. Contornando a esquina já em direção à Igreja, esse mesmo comerciante ofereceu à cidade uma enorme bomba de gasolina, destinada a abastecer os maravilhosos automóveis que pouco a pouco chegavam à serra, depositando ali grandes galões de gasolina e querosene. Na realidade, Pedro vinha estabelecer forte concorrência com Antônio "Tuneca" de Araújo Leitão que, vislumbrando as imensas possibilidades comerciais dos combustíveis e que o automóvel em época muito próxima seria o veículo da moda, também abrira um posto de abastecimento no terreno hoje existente nas imediações da rodoviária central da cidade e do atual Supermercado Bramil. Junto a esse terreno, aliás, "Tuneca" fundou ainda uma casa exclusiva de venda, aluguel e consertos de bicicletas, até pouco tempo administrada pelo filho Sérgio, ex-vice-prefeito de Miguel Pereira, mas agora desativada.

Vencendo a esquina que conduzia à Igreja - alguns metros antes da travessia do córrego do Sacco -, logo apareceu o Bar e Restaurante São Jorge, gerenciado por longo tempo por membros da família Nonno, estabelecimento popular até hoje lembrado pelos mais idosos moradores da cidade. Ao lado do restaurante, uma pequenina porta anunciava o embrião da Loja Fornecedora de Materiais, a Fornemat Ltda. fundada em 1948. A partir desse estabelecimento pioneiro, João da Silveira Duarte conseguiu adquirir todo o prédio da esquina, derrubando-o e levantando naquele terreno privilegiado uma casa bem maior, cujos andares superiores foram utilizados na construção de vários apartamentos.

Cruzando o córrego do Sacco, Zeca Leal aproveitou um espaçoso descampado para nele construir uma sequência de modestas casas de taipa e pau-a-pique, sendo que três delas logo tiveram particular importância para Miguel Pereira. Numa, o Dr. Osvaldo de Araújo Lima - certamente um dos médicos mais queridos de todos os tempos na velha cidade e o profissional que, em 1938, conseguiu evitar uma epidemia de peste bubônica na região - inaugurou seu consultório médico, cujas portas jamais se fechavam: ele as deixava deliberadamente abertas para que seus clientes entrassem a qualquer hora do dia ou da noite.


Em outra casinha próxima, alocou-se a "Companhia Telephônica Brasileira", em junho de 1945, transferida que fora do antigo prédio localizado do outro lado dos trilhos, onde hoje se ergue o Edifício Duarte. Já numa terceira casinha, vizinha direta da telefônica, o pioneiro comerciante Simeão presenteou a população com a primeira e bem montada padaria da cidade, um prazer inenarrável para as donas de casa da serra. Depois de abrir esse negócio precursor em Miguel Pereira e explorá-lo por alguns anos, Simeão passou o ponto para Policarpo "Lique" Barbosa e sua esposa Cecília Rodrigues Barbosa. Ambos logo executaram uma série de obras de recuperação nas dependências da casa e também ampliaram seus fornos a lenha, com isso fundando a Padaria e Confeitaria Santa Cecília, até hoje em pleno funcionamento, muito embora sua administração não mais esteja em mãos da família e tenha seu título trocado para Padaria do Angu. Na realidade, "Lique" e D. Cecília já vinham oferecendo serviços a Miguel Pereira na área de confeitaria, pois valiam-se de algumas modestas instalações cedidas por Juju junto do seu armazém, no outro lado da mesma rua. Consciente da necessidade de dispor de um negócio próprio, para  inclusive não mais depender dos favores do inconstante Juju, e orgulhoso das notáveis e inatas habilidades de sua esposa na produção de doces, pãezinhos e outros quitutes, "Lique" aos poucos amealhou alguns preciosos contos de réis e com eles comprou para a esposa sua tão sonhada padaria, a qual, diga-se de passagem,  transformou-se rapidamente num dos mais procurados e elogiados pontos de referência comercial na cidade nas décadas seguintes.

 

Imagem: Construção da grande loja da Fornemat Ltda.

 

Na próxima edição: Casas, Ruas e Loteamentos Pioneiros do Município - Parte VII