Cartas do prisioneiro Zé Nabo
Da Fortaleza de Santa Cruz para Miguel Pereira
07/04/2023
Historiador Sebastião Deister
Edição 444
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O debate a respeito da
revolução (?) de 1964, ou ditadura militar, está relacionado com a ascensão ao
poder de oficiais através de um grande golpe contra o poder constituído e a
deposição do então presidente Jango Goulart sob a premissa de evitar a
implantação do comunismo no país. O período de vigência da ditadura
civil-militar no Brasil, entre 1964 e 1985, levanta inúmeras discussões e
polêmicas, em face das controvérsias políticas, econômicas, culturais, sociais
e mesmo filosóficas que ainda afloram na sociedade brasileira quando se estuda
e se analisa um dos períodos de maior repressão à população brasileira. Entre
essas controvérsias está a denominação do regime: seria revolução ou
ditadura militar o termo que melhor expressaria esse período da História
do Brasil? Na realidade, a pergunta é puramente retórica e levanta diversas
respostas e pontos de vista, mas uma coisa é inegável: a discriminação dos
indivíduos, a agressão à democracia, a truculência dos militares, a tortura contra
os insatisfeitos e aqueles que lutavam contra um regime de exceção e a prisão
de pessoas inocentes que nada tinham a ver com o sistema que os poderosos
diziam combater.
Os perseguidos da
região
Em nossa região tivemos
exemplos de tais desmandos e injustiças com o arresto do professor George Jacob
Abdue (em Paty) e o ex-prefeito José Antônio da Silva (Zé Nabo, em Miguel
Pereira), homens que sequer cogitavam se opor aos militares e muito menos
demonstravam simpatia pelas lutas antigoverno.
Aqui seguem algumas
reproduções das cartas enviadas por Zé Nabo durante sua prisão na Fortaleza de
Santa Cruz. Curiosamente, nenhuma está datada. Documentos simples, de tom sincero,
mas eivados de tristeza e sofrimento pela injustiça sofrida (ou, talvez, pela
vingança abominável de algum adversário político despeitado ou invejoso que o
denunciou sem provas) e pela solidão imposta pelo cárcere tão distanciado da esposa
e dos filhos menores. São várias, mas optamos por algumas em face do espaço
disponível. Felizmente, nosso caríssimo cidadão portelense superou momentos
difíceis e amargos, foi inocentado e voltou para a convivência feliz de familiares
e amigos em Portela, inclusive ocupando novamente a prefeitura em 1983. Observem,
ainda, que optamos por reproduzir um dos texto com os eventuais equívocos
gramaticais do autor, mantendo, assim, a autenticidade destes documentos tão
importantes para a História do ex-prefeito e ex-deputado estadual que deixou
uma marca indelével no município.
Fortaleza
de Santa Cruz
"Amigo Leonízio e
demais companheiros do P.T.N. Rogo a Deus que ao receber esta estejam com saúde
companheiros do P.T.N. Esta tem a finalidade de pedir a vocês que se interessem
pelo meu caso, e me ajudem a provar que nunca fui comunista nem agitador. Voces
procurem ver que e (..........)
argumentar que pediram a caçação do meu mandato de deputado foi porque
um jornal do Partido comunista (..........) apresentava uma lista com diversos
nomes que dizia que Prestes mandava votar naqueles candidatos e onde constava
também o meu nome mas aquilo foi sem o meu concentimento, não sei se foi
arranjo de amigos ou inimigos.
Leonisio a coisa de 8
meses me telefonaram de Barra do Piraí para que eu fosse aquela cidade para
inaugurar uma diretoria ferroviaria com o meu nome, la chegando para a
inauguração, estava escrito diretório político de Demistocledes Batista e José
Antonio da Silva, discordei dizendo que não podia aceitar porque eu tinha
apoiado para Deputado Federal, Edilberto Ribeiro de Castro e que este homem
tinha me ajudado com carro de propaganda e um milhão de cédulas, e que quando
ele soubesse que eu tinha um diretório, com outro deputado federal me chamaria
com toda razão de ordinário e traidor e nunca mais voltei aquela cidade
(.........) enquanto fui deputado sempre respeitei as ordens do líder do P.T.N.
não distorcendo uma so vez, conforme vocês são testemunhas, nunca tive ligações
com comunistas, nem ai na assembleia, nem no meu municipio nem em lugar nenhum,
eu nunca fui agitador, não tenho nada contra mim no Dops ou secretarria de
segurança e nem em lugar nenhum, conforme pode ser comprovado com o
levantamento da minha ficha em qualquer lugar, Leonízio eu espero que voces me
ajudem, pois já estou preso a quasi 50 dias e não dei depoimento nem fui ouvido
por ninguem, tive 35 dias incomunicável, quasi não me alimento pensando na
família que e capaz de estarem passando fome, e conforme você sabe que sempre
vivi em grandes dificuldades pois tenho muitos filhos e todos menores, Leonizio
estou enviando cartas para diversos amigos da assembleia, e portanto peço a
vocês do meu partido por amor de Deus que façam alguma coisa por mim e creiam
se eu for condenado estão condenando um inocente e finalizando fico aqui nesta
prisão rezando e pedindo a Deus que ajude a vocês provar que sou inocente.
Abraços a você e todos os amigos e companheiros."
IMAGENS: As
reproduções das cartas foram gentilmente autorizadas por um de seus netos