Zezé Sodré, Um Cidadão
E neto do professor Miguel Pereira
30/06/2023
Historiador Sebastião Deister
Edição 456
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José
Paulo de Azevedo Sodré nasceu no Rio de Janeiro em 27 de janeiro de 1930,
falecendo aos 90 anos em Miguel Pereira em 1º de julho de 2020 e sendo
sepultado no cemitério de Governador Portela. Tinha como pais José Paulo de
Azevedo Sodré e Maria Clara Miguel Pereira de Azevedo Sodré (D. Mancala), filha
do professor Miguel da Silva Pereira e de D. Maria Clara Tolentino Pereira.
José
Sodré contava com apenas cinco anos quando seus avós orientavam as últimas
obras do Sítio do Coqueiro, mas já afirmando que a propriedade seria sua, o que
de fato aconteceu. Recebendo o sítio, passou a morar no local a partir de 1952,
logo após seu casamento com Yedda Baião Andrade. Ali criou os filhos Maria
Cecília de Azevedo Sodré; José Paulo de Azevedo Sodré Neto (apelidado Juca);
Ângela Andrade de Azevedo Sodré (a Chica); Maria Isabel de Azevedo Sodré
(Bebel) e José Roberto Andrade de Azevedo Sodré (o Miúdo), prematuramente
falecido em 30 de dezembro de 2017.
Yedda,
filha de Salvador Andrade e de Carmem Baião Andrade, nascera em Barbacena (MG)
em 22 de abril de 1929. Após 5 anos de noivado viveu longos 43 anos com Zé
Sodré em sua chácara até falecer em 19 de maio de 1995. Na verdade, a certidão
de óbito cometeu um equívoco, pois a morte de Yedda ocorrera no dia 18 e não
19. De qualquer modo, seu corpo repousa no cemitério de Govenador Portela.
José
Sodré desempenhou inúmeras atividades sociais em Miguel Pereira, porém a mais
importante teve relação direta com a gênese do hospital da cidade. De fato,
quando dos movimentos destinados à criação daquela inédita obra, Sodré decidiu
doar uma área de 30.000 m2 contígua ao sítio para a edificação do
prédio, além de outra gleba de terras para a abertura de uma rua de ligação com
o canteiro de obras. É preciso lembrar que a porteira do sítio aproximava-se da
linha férrea, razão pela qual Sodré também doou tal acesso (que mantém uma
conexão direta com a rua Adelaide Badenes), o que explica o recuo do portão
após uma pequena servidão adequadamente batizada como rua Yedda Sodré. Para
formalizar a doação e agilizar a transferência do terreno, lavrou-se então uma
escritura comprobatória de compra e venda, pois tal procedimento seria menos
oneroso do que documentar burocraticamente a transferência como doação em si.
Criação da Fundação
Miguel Pereira formada
Deslanchada a meritória
iniciativa de criação do hospital, estabeleceu-se a data de 18 de novembro de
1956 para uma reunião pública na sede do Miguel Pereira Atlético Clube com o
fito de aprovar previamente a minuta dos estatutos da fundação e imediata
indicação de um Conselho Superior com legitimidade para eleger a primeira
diretoria da entidade. Na
semana seguinte, ou mais exatamente em 25 de novembro de 1956, surgia a
primeira diretoria da Fundação Miguel Pereira formada por Francisco Badenes
(Presidente); Henrique Ramos (Vice-Presidente); Paulo Beaujean (Tesoureiro);
João da Silva Pimentel (Secretário) e Manoel Vieira Muniz (Diretor Técnico). Já
em 22 de dezembro, o documento de criação da Fundação Miguel Pereira viu-se
publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, ao passo que seu
registro legal foi aposto no Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de
Miguel Pereira sob o nº 1 do Livro C-1 em 15 de fevereiro de 1957. Nascia
assim, na cidade, a Fundação Miguel Pereira que, em tempo breve, administraria
as obras do Hospital Santo Antônio da Estiva, hoje rebatizado como Hospital Municipal
Luiz Gonzaga.
Zezé também
colaborou com outras iniciativas importantes para a cidade. Ao lado do
engenheiro Bernardo Sayão de Araújo e de Joaquim Pereira Soares, fez questão de
cooperar nos trabalhos de melhorias do piso e alargamento da estrada de ligação
Governador Portela-Arcádia, hoje RJ-125. A atual estrada da Fazenda Sertãozinho
também mereceu sua atenção. Valendo-se de seus próprios tratores e
funcionários, Zezé rasgou uma estrada para estabelecer conexão direta com sua
Fazenda São Joaquim.
Agência bancária para
Paty do Alferes e Companhia Telefônica
Por
outro lado, agindo em favor da comunidade miguelense, conseguiu atrair uma
agência bancária para Paty do Alferes, pois acreditava que lá seria mais
interessante tal localização em função da grande quantia de dinheiro circulante
entre os produtores rurais. Sempre atento, ao encontrar esgotos a céu aberto
providenciava algum modo de encobri-los. Participou ativamente da inauguração
da nova sede da Companhia Telefônica em Miguel Pereira em 24 de junho de 1967 ao
lado do amigo marechal Edgar Amaral durante a gestão do prefeito Manoel
Guilherme Barbosa (Nelzinho). Apenas como lembrete, a sede de tal telefônica
hoje abriga a Agência dos Correios de Miguel Pereira.
Em
1952, quando Zezé veio morar no sítio após seu casamento, D. Mancala ainda
tinha alguma reserva quanto à decisão tomada pelo filho. Ela temia que ele, um
dia, resolvesse vender a propriedade, razão pela qual hesitou durante algum
tempo para lhe repassar os documentos de posse das terras. Todavia, depois de
perceber que o filho estava determinado a permanecer no lugar, D. Mancala
tratou de legitimar a herança do Sítio do Coqueiro. Na realidade, mãe e filho
mantinham um relacionamento firme e de mútua confiança e total respeito. Mesmo
quando ainda era dona do sítio, D. Mancala não questionou Zezé quando este
resolveu doar os terrenos para o hospital, apoiando-o integralmente em tal
decisão.
Zezé
cooptou muitos companheiros para que colaborassem financeiramente com a obra,
inclusive o famoso Luiz Gonzaga que, valendo-se do seu prestígio de artista,
dispôs-se também a fazer um concorrido show de arrecadação de fundos após um pedido
pessoal de D. Mancala. Importante frisar que à frente do palco estendeu-se um
enorme pano branco para que nele a população pudesse lançar sua contribuição
para as obras do hospital. Muitas senhoras e senhoritas da cidade mergulharam
na campanha, confeccionando lembranças, pequenas peças de decoração e bonecas
de pano que, comercializadas em feiras do lugar, carrearam quantias
interessantes para a conclusão do grande projeto social de Miguel Pereira.
Confiante e sempre otimista, Sodré costumava afirmar que pouco importava o
valor dos donativos, fosse tão-somente 1 cruzeiro ou mesmo 1 milhão. O que
importava era a doação, a participação e a solidariedade, até porque se ele
próprio não pudesse ajudar dando o exemplo então não haveria razão para colaborar
com os trabalhos e projetos de sua comunidade. Com efeito, sua frase favorita
era "Se eu não puder ajudar, não tenho
porque viver".
"Estiva fora abençoada
com o 3º melhor clima do mundo"
Tanto
Zezé quanto sua família sempre fizeram questão de afirmar que o patriarca Dr.
Miguel Pereira jamais contraíra qualquer doença tropical. Em seus últimos meses
de vida, o estoico e respeitado médico e professor recusou-se a voltar ao Rio
de Janeiro para tratamento, mesmo com a insistência de grandes colegas seus,
como os doutores Aloísio de Castro e Miguel Couto. Ele tinha pleno conhecimento
de sua insidiosa moléstia, e resignado e consciente do pouco tempo que lhe
restava de vida, decidiu-se, tranquilo e sem mágoas ou revolta, atear ao fogo
às suas teses, ao mesmo tempo postulando junto aos filhos que nunca se
esquecessem de atirar em seu túmulo um pouco da terra do seu amado Sítio Maria
Clara. Foi levado para o jazigo no cemitério São João Batista, que adquirira
anos antes. Deixou duas célebres frases: que o Brasil ainda era um imenso
hospital e que a Estiva fora abençoada com o 3º melhor clima do mundo, propício
para o tratamento de doenças, principalmente aquelas que afetavam o trato
respiratório. Meses antes de seu falecimento em 23 de dezembro de 1918,
movimentos sociais e políticos já trabalhavam visando à troca do topônimo
Estiva para Professor Miguel Pereira, decisão posteriormente aprovada pela
prefeitura de Vassouras (então cabeça de município) e referendada pelo próprio presidente
Wenceslau Braz, que anos antes acolhera seu grito em defesa da melhoria das
condições sanitárias do país.
Imagem:
José Paulo (Zezé) ao Lado de sua Amada Yedda