Apogeu e queda da Sociedade Força & Luz - Vera Cruz - Parte 1

Até 1920 Estiva (hoje miguel Pereira) e Paty do Alferes eram iluminados por lampiões a carbureto ou por bicos de acetileno aleatoriamente espalhados pelas ruas mais centrais das localidades.

 21/07/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 459
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Até  os primeiros anos do século XX, os povoados circunscritos pela face interna da Serra do Tinguá, em particular Governador Portela, Estiva e Paty do Alferes, não dispunham de energia elétrica, sendo seus logradouros mais importantes iluminados tão somente por pesados e incômodos lampiões alimentados a carbureto ou por bicos de acetileno aleatoriamente espalhados pelas vielas mais centrais de tais localidades, enquanto as casas particulares e os estabelecimentos comerciais obrigavam-se a recorrer ao uso de velas ou até a simples e fumarentas lamparinas de álcool ou querosene em suas salas de visitas ou balcões de vendas.

Em virtude da ausência de corrente elétrica na região, era motivo de grande frustração para os comerciantes das vilas serranas a impossibilidade de adquirir refrigeradores para seus bares e restaurantes, ao mesmo tempo em que os pecuaristas precisavam calcular muito bem o tempo de abate do gado e das aves para que a carne e os miúdos não se deteriorassem nos açougues ou nos entrepostos espalhados por tantos vilarejos do vale do rio Santana.

Para completar o desconforto e a monotonia daquela época tão desassistida, também não se mostrava racional o impulso de se comprar os imensos rádios de válvulas ou os elegantes gramofones elétricos lançados pela então atuante RCA Victor, que tanto furor faziam nas grandes cidades, e através dos quais a população serrana poderia se manter em contato com as notícias da capital ou ouvir alguns sucessos musicais em voga. Restava aos moradores mais abastados se contentarem com os velhos aparelhos de corda, nos quais rodavam-se os admiráveis discos de vinil de 78 rpm lançados no mercado nas primeiras décadas do século.

Às famílias de nossas pioneiras cidades não restava outra alternativa senão permanecer em suas casas após o cair da noite, jogando cartas sob a bruxuleante luz de velas, assuntando algum mexerico mais interessante ou fazendo tricô e crochê com enormes dificuldades ao lado de um lampião soturno e malcheiroso, uma vez que, pelas ruelas vazias e sombreadas de suas cidadezinhas, a fria e escura noite de inverno pertencia aos cães vadios, aos sapos coaxantes ou então aos tremeluzentes vagalumes.

A bem da verdade, nos primeiros anos da década de dez a municipalidade vassourense já mostrara viva preocupação com o problema de iluminação pública, providenciando, inclusive, a colocação de lampiões na Estiva e em Paty, conforme podemos verificar na reprodução abaixo, extraída da obra de Ignácio Raposo:

 

"(...) Por Deliberação nº 120, de abril de 1910, autorizou a Câmara se abrissem os créditos necessários para consertos ou substituição do material de iluminação ou de abastecimento d'água, na cidade e nos povoados do município, e por Deliberação nº 128, de 4 de junho, foi regulamentado o serviço relativo a penas d'água.

 

(...) Algum tempo depois foi assinado o contrato de fornecimento de luz elétrica com a Empresa Serra do Mar, sendo organizada a "EMPRESA FLUMINENSE DE FORÇA E LUZ", de quem era Diretor-Presidente o Dr. Luiz Castanhede, e a quem foi transferido o contrato assinado com a Câmara (...) Imediatamente fez a empresa encomenda do material preciso, como sejam postes, lâmpadas, fios e turbinas à firma comercial da Praça do Rio de Janeiro Behrend Schmidt & Cia., representantes de diversas fábricas europeias de material elétrico. Todo serviço, que se podia fazer com materiais do próprio município, foi sem perda de tempo executado, ficando assim concluída a barragem no Ribeirão do Quirino, no Salto das Oricaças, de sua propriedade, na Estação do Desengano (hoje Barão de Juparanã), bem como a linha adutora da câmara de pressão ao local das turbinas. (...) A parte superior do encanamento foi toda feita de cimento armado.

A empresa, com o material de que dispunha, aliada a um grande número de competentes oficiais, pôde cumprir o contrato firmado com a municipalidade dentro de seis meses, fornecendo, no mínimo, 400 cavalos de força (...) No dia 7 de setembro de 1913 efetuou-se a inauguração oficial.

A COMPANHIA INDUSTRIAL DE ELETRICIDADE, uma das proponentes para fornecimento de luz elétrica pública à cidade, obteve da Câmara Municipal, que desejava estimular iniciativas e proporcionar a livre concorrência, sem prejuízo dos direitos adquiridos pela contratante da iluminação pública da cidade, a concessão das vantagens constantes da Deliberação nº 192, de 23 de julho de 1912. Uma vez devidamente autorizada, estendeu a mesma companhia muitos dos seus cabos pelo Município (...)

(...) Não só na cidade de Vassouras, mas também nos povoados da Estiva, Estação de Paty (agora Andrade Pinto) e Paty do Alferes se fizeram e, por iniciativa particular, melhoramentos dessa espécie. Em quase todas essas povoações surgiram diversos combustores de gás acetileno (...)

(...) A Câmara Municipal, estimulada talvez por essa iniciativa, autorizou o seu Presidente Coronel Joaquim Ribeiro de Avelar a fazer despesas de iluminação da Estiva e colocar dez lâmpadas de carbureto na Estação de Paty, melhoramento este que foi recebido pela população deste último lugar entre gritos de entusiasmo e interjeições de alegria (...)

Em 1915, recebia a Estiva, assim como Paracambi, Barão de Vassouras e Madruga, os condutores de energia elétrica, na administração Maurício de Lacerda, que fez grandes obras na cidade, reformando muitos de seus velhos aspectos tais como os da Rua Barão de Vassouras, Praça da Estação, Praça Campo Belo, etc.

(...) Relativamente ao Paty do Alferes, foi o mesmo Presidente autorizado pela Deliberação nº 157, de 20 de abril de 1911, arrecadar o material em uso, e custear o serviço de iluminação já existente."

 

Imagem: Cachoeira de Manga Larga, futura base da Cia. Vera Cruz

Na próxima edição: Apogeu e Queda da Sociedade Força e Luz Vera Cruz - Parte 2