A Banda Marcial de Miguel Pereira: saudade que ficou
Antigamente, os instrumentos de fanfarra, a exemplo das cornetas e cornetões, eram lisos, ou seja, não possuíam nenhum tipo de válvula ou ajuste para a execução de diferentes notas
23/09/2023
Historiador Sebastião Deister
Edição 468
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Inicialmente,
precisamos lembrar que fanfarra é um designação comumente utilizada nos dias de
hoje para batizar as bandas e agremiações musicais compostas por instrumentos
de percussão e de sopro simples, mas a criação do termo remete-se ao antigo
toque de trompas e clarins emitido durante as caçadas na França.
Posteriormente, a titulação foi estendida às bandas marciais que acompanhavam
os cortejos cívicos ou regimentos de cavalaria.
Antigamente, os
instrumentos de fanfarra, a exemplo das cornetas e cornetões, eram lisos, ou
seja, não possuíam nenhum tipo de válvula ou ajuste para a execução de
diferentes notas. Hoje em dia, esses instrumentos podem ter gatilhos de semitom
e um tom (com mecânica semelhante à de um trombone, em que a vara desliza para
frente e para trás, alterando o percurso do ar dentro do instrumento) e pistos
(também chamados pistões ou válvulas) de quaisquer tons (semelhantes aos do
trompete).
Atualmente, os
grupos de fanfarras evoluíram muito e novos instrumentos foram incorporados,
com o intuito de melhorar a qualidade de execução das peças. Assim, vários
outros instrumentos foram introduzidos no cartel de instrumentos possíveis em
uma fanfarra. Já é comum ver algumas corporações que utilizam eufônios, tubas,
barítonos, escaletas e melofones, além de instrumentos de bandas adaptados e instrumentos
de batida sinfônica (bombo, tímpanos, gongos, pratos suspensos etc.) e peças de
percussão popular (pandeiros, triângulos, tumbadoras etc.).
Influência da cultura
africana
No Brasil, a
história da fanfarra se mistura com a história das festas populares de rua com
forte influência da cultura africana, como o próprio carnaval. Instrumentos
populares foram levados para a fanfarra e instrumentos eruditos foram
introduzidos nos festejos populares como, por exemplo, as cornetas e os surdos.
Bandas marciais
As bandas marciais são
conjuntos musicais compostos por instrumentos da família dos metais, como
tubas, sousafones, eufônios, trombones, trompetes, flugelhorns (elemento de sopro da família dos metais) e
trompas, além de outros de percussão rudimentar, como bumbos, caixas e
pratos. Em geral, as bandas marciais são compostas por alunos de
diferentes perfis, desde crianças e adolescentes em idade escolar até
instrumentistas profissionais e amadores adultos. No Brasil, as fanfarras e
bandas marciais representam uma tradição comum do interior, e são mantidas por
escolas e projetos culturais com apoio dos governos municipais, estaduais e,
com menos frequência, com apoio da iniciativa privada. Devido a esse vínculo
com o poder público e com a comunidade, as bandas marciais estão sempre
presentes em solenidades, desfiles cívicos e competições com o intuito de
entreter o público e enriquecer as apresentações comunitárias.
Há indícios de que as primeiras bandas de
música civis brasileiras datam de 1554, surgindo durante o período
colonial. Eram compostas muitas vezes por índios, africanos escravizados e até
portugueses. Eram sediadas em fazendas no interior do Brasil e chamadas
de "Charamelas", por causa do uso de um instrumento musical
parecido com uma flauta ou clarinete vindo da região oriental da Europa. O
jornalistas e crítico musical José Ramos Tinhorão afirma que no século XVIII surgiram as chamadas "Bandas de Barbeiros",
substituindo os "Chameleiros". No entanto, os barbeiros eram normalmente
negros africanos libertos da escravidão, que tocavam em seus períodos de folga.
As bandas de barbeiros desapareceram junto com o fim da escravidão, que
desestabilizou a situação social e econômica da colônia, dando lugar às bandas
militares. Ainda segundo Tinhorão, as bandas de barbeiros foram substituídas
pelas bandas militares a partir do século XIX, surgindo assim nas pequenas
cidades as bandas municipais ou liras, como eram comumente conhecidas. Alguns
pesquisadores sugerem, no entanto, que as bandas militares surgiram
oficialmente no Brasil com a chegada da família real portuguesa, em 1802, e se
manteve durante os I e II Reinados, atuando principalmente em solenidades. Quando
foi criada a Guarda Nacional em 1831, as banda oficiais se disseminaram, dada a
obrigatoriedade da formação de conjuntos musicais em cada um dos segmentos
militares, adotando o modelo europeu de bandas. Essa obrigação se encerra no
período Republicano a partir de 1889 e retorna na era Vargas (1930-1945), mas
dessa vez voltada ao ensino de música nas escolas, através da criação de bandas
e fanfarras escolares.
A música em Miguel Pereira e Governador
Portela
Miguel Pereira e Governador Portela sempre
cultivaram a música comunitária, haja vista a criação da Banda XV de Novembro
(1917) e a Associação Musical de Miguel Pereira (1958), hoje tão menosprezadas.
Fanfarras também foram criadas em escolas do município, destacando-se aquelas organizadas
na Escola Profissional Carvalho de Souza e na Escola Normal Adalice Soares (ambas
em Portela), na CNEC de Miguel Pereira e na Escola Estadual Dr. Antônio
Fernandes. Contudo, a grande surpresa aconteceu em 1989 com o aparecimento da
Banda Marcial de Miguel Pereira, iniciativa da Secretaria de Turismo comandada
por Antônio Arantes. Belíssima, trajando um fardamento em preto e dourado,
polainas e luvas brancas, flâmulas decorativas resguardando todos os
instrumentos e exibindo capelos também dourados, surgiu emitindo toques
militares e músicas de alto nível erudito, causando enorme impacto visual na
cidade.
A agremiação, além de várias apresentações em
Miguel Pereira, participou também de encontro de bandas e fanfarras em
Teresópolis, Barra do Piraí, Paty do Alferes, Itatiaia e Rio das Flores (ali
alcançando um prestigioso terceiro lugar). Permaneceu em atividade por cerca de
quatro anos, apenas. A falta de colaboração da iniciativa privada aliada ao
desinteresse e insensibilidade do poder público em apoiá-la (até porque ela era
ligada à Secretaria de Turismo) acabou por desestimular seus componentes e
dirigentes. Após sua prematura desativação, toda sua estrutura desmoronou:
uniformes e instrumentos foram sendo literalmente espalhados entre algumas fanfarras
municipais, e atualmente é impossível localizar onde se encontra aquele belo
patrimônio. Restaram apenas fotos e lembranças.
Imagem: Banda Marcial em sua primeira
apresentação: 25 de outubro de 1989
Na próxima edição: Os Charreteiros de Miguel Pereira