As origens do Miguel Pereira Atlético Clube - Parte 3

A inauguração do estádio de futebol

 29/12/2023     Historiador Sebastião Deister      Edição 481
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A festa de inauguração do campo foi um notável acontecimento social na cidade, principalmente junto aos moradores mais humildes. Alguns apeavam de seus cavalos devidamente ajaezados para aquela ocasião tão especial, outros desembarcavam de sacolejantes carroças e quatro ou cinco privilegiados abrigavam suas elegantes e coloridas charretes de quatro lugares à sombra dos majestosos eucaliptos ou dos viçosos bambuzais que delimitavam uma das laterais do grande terreno. Junto ao estádio, talvez viesse estacionar o Ford modelo "T" ano 1929 recentemente comprado no Rio de Janeiro por um visitante mais distinto ou por um fazendeiro mais abastado.

Em meio à alegre algazarra do povo, Manduca presidia a festa distribuindo sorrisos, jogando acenos amistosos para os convidados e discretamente passando uma ou outra ordem mais urgente aos seus empregados. As festividades tinham começado pela manhã com uma missa solene rezada por Frei Leandro Nowak na intenção do bem-estar do clube. Ato contínuo, logo após sua bênção no gramado, os confrades de Juju se viram contemplados com o rugido formidável dos fogos de artifício trazidos na véspera pelo comboio tracionado pela maria fumaça. Os convidados mais ilustres e os membros das famílias compromissadas com o Miguel Pereira Atlético Clube eram recepcionados respeitosamente pelos enfatiotados membros da diretoria do clube, e sob as árvores imemoriais que adornavam os lados do campo, podia-se comprar bolinhos de milho, cocadas, empadas, pés-de-moleque e límpidos copos de aguardente áspera, porém cristalina. Juju pensara em abater uma rês e promover assim uma esbórnia gastronômica, mas fora dissuadido desse ato impetuoso e insensato pelos demais dirigentes e pelo Dr. Francisco Peralta, que temiam pela integridade dos intestinos dos atletas que deveriam jogar mais tarde.

No burburinho ditoso daquelas manifestações de apreço e felicidade, confundiam-se elegantes chapéus Panamá com dezenas de modestos chapéus de palha, ressoava pelo cascalho o estrondo de botas rígidas e lustrosas dos vaqueiros em contraste com o passo calculado de caros sapatos de duas cores dos senhores mais fornidos da cidade e farfalhavam, pelas sombras convidativas dos eucaliptos, as rendas caprichadas de blusinhas leves e o tafetá vaporoso de vestidos longos especialmente confeccionados para aquela data única. Luvas brancas e mimosas escondiam as mãos pálidas e delicadas das senhoritas presentes, e chapeuzinhos arredondados e sensuais protegiam do sol reverberante daquele domingo inesquecível os olhos sensíveis e curiosos e os cabelos alinhados da elegante sociedade feminina de Miguel Pereira.

No gramado, movimentavam-se em aquecimento jogadores com longos calções e camisas de mangas compridas, posto que, afinal, seria uma falta de cortesia e total despudor apresentar-se às moças da comunidade em trajes mais sumários: o que diriam as respeitáveis e austeras senhoras da plateia se, repentinamente, ali se deparassem com aqueles homens exibindo braços e pernas sem qualquer recato ou pundonor?

Prevaleciam na plateia suspensórios bem retesados por sobre alguns ventres rotundos e bem alimentados, camisas cuidadosamente passadas com golas gomadas e calças de linho de vinco impecável, lenços perfumados, leques multicoloridos e vários saltos altos, mas, por outro lado, viam-se também muitos pés descalços e empoeirados e tamancos mais pobres dos menos afortunados. As classes sociais misturavam-se, portanto, numa confraternização ímpar e comovida: a perfeita consagração de um trabalho considerado impossível, a coroação majestosa e solene da obra pessoal de uma comunidade unida, teimosa, pertinaz e decidida a vencer!

Como permitir que o esquecimento sepulte para sempre a memória dessa notável estirpe de homens e mulheres, cuja bravura foi a mola mestra para o crescimento do Miguel Pereira Atlético Clube, não apenas como clube de futebol, mas como um símbolo social, patrimonial e humano da própria cidade? Como não recordar os exemplos deixados por Juju, Vevete, Manduca, Alzino Tinta, Peralta, Leitão, Souza, Deister, Machado, Ferreira, Bernardes, Masô, Real, Silveira, Almeida, Leal, Amaral, Fraga, Gomes, Pinto, Sobral, Carvalho e tantos outros, anônimos ou não, ricos ou não, que deixaram um pouco de seu suor no gramado do MPAC? Por que não valorizar hoje as lembranças deixadas por entusiasmados jogadores como Izaías, Enéas, Tião "Urutu", Aristides, Moacir Machado, Juquinha Fraga, Hamilton, Nelson "Brechó", Vavá Pereira, Paulinho "Aviador", Wallace, João "Arrepiado", Hugo e Humberto Deister, Dezinho, Sylvio Bernardes, "Moleque", "Grilo", Hélio Moreira, Joel Rosa, Maronito, Geraldo "Tôco", Agenir Rezende e Mário Bacelar?

É impossível apagar da História a triunfal entrada da madrinha do Miguel Pereira Atlético Clube no gramado, levada sob ovação pelo braço do seu orgulhoso pai até o centro do campo, onde em círculo os atletas a aplaudiam em êxtase. Ela fora preterida pelo orgulhoso Estiva Futebol Clube, agora era entronizada como rainha única, absoluta e autêntica daquele clube magnífico!

De terno e gravata, como convinha a um dirigente - e pai! - de tal posição, Manduca conduziu pelo campo sua vaidosa e elegante filha Mariquita Bernardes, trajada de acordo com a liturgia dispensada a uma dama de tão nobre posição: longo vestido imaculadamente branco e sem mangas - o máximo de elegância e audácia na década de trinta - chapeuzinho do mesmo tecido a proteger sua delicada tez do sol serrano e as indefectíveis luvas brancas que evitavam sujar as mãos que portavam uma gigantesca e multicolorida "corbeille", especialmente preparada para agraciar os valorosos atletas e dirigentes do clube.

A partir dessa festa monumental, o MPAC passou a receber a visita de vários times da região Sul Fluminense e também alguns clubes do Rio de Janeiro, estes enfrentando mais de quatro horas de trem para vir a Miguel Pereira jogar contra o grande clube da cidade. Com a sequência de jogos e o passar dos anos, a cidade passou a revelar nomes em seu futebol e transformou-se num berço de notáveis jogadores, cujos descendentes, a partir de 1955, também se revelariam como ótimos atletas defendendo o clube que iria substituir o MPAC, ou seja, o Central Atlético Clube.

Do América Futebol Clube para a Seleção Brasileira

Além de Hamilton Ferreira Gomes, um dos mais renomados e admiráveis atletas revelados pelo MPAC foi Hélio Moreira. Bom de bola e de cabeça, oriundo de uma família modesta, porém muito tradicional de Miguel Pereira, o moleque travesso e humilde demonstrou desde cedo sua intimidade com a bola, trajetória que culminou no América Futebol Clube, do Rio de Janeiro, de onde saltou para a Seleção Brasileira pela qual veio a ser campeão na Taça Oswaldo Cruz, numa complicada decisão contra o Uruguai, por 2 x 1, em 1956, e Campeão da Taça Atlântico quando derrotou o mesmo Uruguai por 3 x 1, em finais daquele mesmo ano.

 

Imagem: 13 de junho de 1930: Ao lado dos jogadores do primeiro time de futebol, O orgulhoso Manduca Bernardes com a filha Mariquita, Rainha do Clube (à direita, de pé)

 

Na próxima edição: Conclusão do Histórico