O Casarão - Parte 1

Museu Vila do Alferes - Memórias de Paty do Alferes - 02

 19/01/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 484
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Em 18 de março de 1836, Gabriel José Pereira Lima recebeu de seus pais José Antunes Suzano e Anna Joaquina Passos uma data de terras de 50 a 60 braças* de testada por 3.0000 braças de fundos como parte da herança que a ele cabia dentro da chamada fazenda do Paty Pequeno, confrontando tais terras com a testada da Fazenda Manga Larga (então pertencente ao sargento-mor José Maria de Guadalupe) e com os fundos da Fazenda da Rocinha, propriedade administrada por D. Maria Joaquina da Conceição.

Em 1850, Lucidoro Francisco Xavier e esposa concluíram a venda de 148,5 braças* de terras ao mesmo Gabriel José Pereira Lima, possibilitando-lhe agregar casas de vivenda e mais glebas de terras à propriedade recebida dos pais, conjunto que iria formar o complexo arquitetônico logo batizado como "casarão-residência" de Paty do Alferes. A casa pioneira abrigou, posteriormente, a família do Coronel Manoel Francisco Bernardes (Comandante da Guarda Nacional de Paty e Vassouras) e nos anos 1990 a Câmara Municipal, enquanto a segunda residência tornou-se, na metade do século XX, o domicílio de Dulce Pinheiro Bernardes e de sua irmã Arinda (Neném).

Já no ano de 1864 - ostentando o título de Comodoro - Gabriel José Pereira Lima consolidou a doação de um terreno com 30 braças* de frente e 48 braças* de fundos para a construção do cemitério da Irmandade de Paty do Alferes, desmembrando tal lote da área geral da Fazenda do Paty Pequeno e, simultaneamente, ampliando as instalações de sua casa de vivenda, esta de pronto contemplada com as linhas neoclássicas que caracterizariam o belo sobrado dos Bernardes.

Paralelamente a tais aquisições imobiliárias, o Comodoro Gabriel ajustava com o Visconde de Ipiabas (Peregrino José d'América Pinheiro) a compra de parte das terras que confrontavam, pelos fundos do casarão, com o outeiro então ocupado pela construção da Igreja Matriz, sugerindo até que por ali se criasse uma pequena gruta, origem do sereno e modesto nicho dedicado a Nossa Senhora de Lourdes recentemente revitalizado e reinaugurado pela Prefeitura patiense.

Com o passar dos anos, o Comodoro e sua família introduziram uma série de ampliações e melhorias na mansão da família, dotando-a de assoalho de tábuas corridas e de um pequeno anexo na parte superior de sua frontaria, por ele utilizado como escritório particular de negócios.

Em razão do falecimento do Comodoro em finais da década de 1870, tais propriedades passaram às mãos da filha Francisca Pereira Lima. Talvez pelo fato de se encontrar solteira na ocasião, ou por não apresentar pendor para os negócios com terras e outros imóveis, a herdeira repassou sua propriedade para o Dr. Antônio Alves de Azevedo Nogueira, médico recém-radicado em Paty.

Nessa mesma ocasião, o Coronel Manoel Francisco Bernardes (já um respeitável latifundiário na Fazenda Barro Branco e cuja família iria administrar, algum tempo depois, a Fazenda do Retiro, em terras atuais alocadas em Miguel Pereira), buscava em Paty do Alferes não apenas um casarão para criar a família como também instalações suficientes para o abrigo dos equipamentos da Guarda Nacional de Paty e Vassouras, à qual ele pertencia e em cujas fileiras destacava-se como um prestigioso líder. Por conseguinte, em finais de 1882 Manoel Francisco Bernardes comprou do Dr. Antônio tanto o belo casarão quanto as casas a ele contíguas, montando na área da antiga Fazenda do Paty Pequeno o complexo conhecido como Sede da Guarda Nacional e Solar dos Bernardes. Não satisfeito, Manoel ainda adquiriu das irmãs Francisca Umbelina e Ambrosina Emília Peres Enéias uma data de casas fronteiriças ao casarão, desembolsando na ocasião a expressiva quantia de Rs. 4:000$000 (quatro contos de réis)**, com isso instalando, no coração da Vila de Paty, um belo conjunto de residências.

Características arquitetônicas do Casarão

O grande casarão dos Bernardes foi erguido com características neoclássicas com o vasto interior subdividido em quatro unidades familiares compreendendo oito quartos, sete alcovas***, três amplos salões, duas salas menores, cozinha, duas despensas e outros aposentos, além de dependências e de serviços no porão.

O salão de visitas era, praticamente, um museu com três mobílias completas, dois belíssimos móveis em estilo francês versáteis dotados de console, portinholas e gavetas, arandelas chanfradas pelas paredes, um artístico candelabro de prata maciça, seis cadeiras francesas, dois enormes espelhos com molduras douradas, aparadores, lustre de cristal e, no centro, um conjunto de mesa e quatro cadeiras com incrustações de madeira e madrepérola.

Sobre essa mesa, chamava a atenção um rebuscado licoreiro de cristal. Por seu turno, a sala de jantar tinha dois grandes armários para guarda de utensílios gerais, pratos de refeição, dois aparelhos duplos de chá e café, além de longa mesa destinada a acolher os comensais e uma pia de mármore para higiene das mãos. Usavam-se, em grande quantidade, castiçais de prata maciça para a iluminação do ambiente de refeições e baixelas também prateadas para uso diário dos familiares.

Por outro lado, nos decênios finais do século XIX poucas casas dispunham em seu interior de banheiros ou sanitários mais elaborados como os de hoje. Assim, a exemplo das antigas fazendas de café, os quartos de dormir também eram usados para banhos de assento e outros recursos de higiene, tais como utilizar uma jarra de louça com sua bacia sempre disponibilizada para limpeza rápida de mãos e rosto e o famoso urinol (penico) devidamente resguardado sob a cama.

A bela residência serviu de palco para casamentos de algumas personalidades intimamente ligadas a Paty, incluindo um prefeito, um deputado e o avô de um ministro do Supremo Tribunal Federal. O filho mais velho do Coronel Bernardes (Manoel Francisco Bernardes Junior, Babau como era conhecido) pôde casar seus quatro filhos neste casarão: Marietta e Haydéa (Dedéa), Edmundo Bernardes e Manoel Bernardes Neto (Manduquinha).

*1 braça = 1,8288 metros

**Entre 1856 e 1862, em Vassouras, 1 conto de réis (1:000$000=1 milhão de réis) 1 kg de ouro ou 1 escravo.

***Pequeno quarto de dormir situado no interior da casa, sem passagens para o exterior

Imagens: Coronel Manoel Francisco Bernardes e o seu casarão

 

Na próxima edição: O Casarão/Museu Vila do Alferes - Parte 2