Ginásio Barão de Paty do Alferes: Turma de Formandos

Memórias de Paty do Alferes - 4

 02/02/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 486
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O grande prédio que hoje abriga o Hotel Arcozelo Palace teve sua construção iniciada nas décadas finais dos anos 1930 e concluída no decênio seguinte. Na realidade, a obra, composta de seis prédios e alguns anexos (além de jardins e uma área imensa de lazer, com piscina de dimensões olímpicas) totalizando mais de 1.500 metros quadrados, levou dez anos para ser completamente erguida.

Era um projeto tão grandioso e inédito, que seu salão principal, destinado a receber as dependências do restaurante, chegou a ser considerado o maior vão livre em concreto armado de toda a América do Sul, apresentando as notáveis dimensões de 42,22m x 12,00m x 5,50m de pé direito. O complexo pertencia ao Capitão Euclides Zenóbio da Costa, que ali administrou um concorrido cassino até que, em 30 de abril de 1946, os jogos de azar foram proibidos pelo Decreto Lei 9.215 assinado pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra. 

O conjunto continuou funcionando como hotel pelo menos até meados da década de 1950, quando foi transformado em um internato com o nome "Ginásio Barão de Paty do Alferes" (curiosamente com Paty sendo grafado como PATI). O estabelecimento de ensino logo se tornou muito conhecido graças à grande qualidade de seus professores, entre eles George Jacob Abdue, o próprio Zenóbio da Costa, Darcy Jacob de Mattos, Alcebíades Laudelino Balthar, Mário Vasconcelos Lopes Rêgo, Conceição Mariotti, Yolanda Cunha Ribeiro, Maria José, Mário de Jesus, Jasmelina de Jesus, Paulo Doro, Dr. Edison de Souza, Regina Vizeu e Emília Mara Teixeira, entre outros.

Com ampla divulgação pela região e, principalmente, no Rio de Janeiro, o internato atraiu a atenção de algumas famílias cariocas e de entidades assistenciais que trabalhavam na capital com adolescentes socialmente problemáticos. Tanto isto é verdade, que muitos alunos internos criaram sérios problemas sociais em Paty do Alferes e em Miguel Pereira (para onde escapavam da vigilância do colégio pelos trens que circulavam à noite), provocando vandalismos, tumultos e brigas com moradores e jovens das duas cidades, em especial quando do funcionamento dos cinemas locais, obrigando o Capitão Zenóbio, muitas vezes, a recambiá-los debaixo de chicotes e punindo-os de maneira rigorosa.

O caso que obteve maior repercussão no Rio de Janeiro envolvendo um aluno do GBPA foi a morte de Aída Jacob Curi, de apenas 18 anos, ocorrido em 14 de julho de 1958 no bairro de Copacabana. Aída foi levada à força por Ronaldo Guilherme de Souza Castro e Cássio Murilo Ferreira (este então interno em Paty) ao topo do Edifício Rio Nobre, na Avenida Atlântica. Os dois rapazes foram auxiliados pelo porteiro Antônio João de Sousa, todos abusando sexualmente da jovem. De acordo com a perícia comandada pelo experiente Antônio Carlos Villanova, Aída foi submetida pelo menos a trinta minutos de tortura, lutando com todas suas forças contra o trio de agressores até desmaiar de exaustão. Na tentativa de encobrir o crime, os criminosos atiraram-na do terraço do décimo segundo andar do prédio, com isso buscando simular um suicídio. Foi a queda que provocou a morte da jovem.

Houve três julgamentos. Na defesa atuaram advogados de peso, como Romeiro Neto e Wilson Lopes Santos, enquanto a acusação ficava a cargo do promotor Maurílio Bruno de Oliveira Firmo. Ao final, Ronaldo Castro foi inocentado da acusação de homicídio, sendo condenado tão-somente por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro. Sua pena foi de oito anos e nove meses. O porteiro, Antônio Sousa, também inocentado da acusação de homicídio, mas condenado pelas denúncias de sequestro e estupro, acabou fugindo do Rio de Janeiro e desaparecendo do país. Nunca foi capturado. Por sua vez, Cássio Murilo, menor de idade na época do crime, foi condenado pelo homicídio de Aída e encaminhado ao Sistema de Assistência ao Menor (SAM), de onde saiu direto para prestar o serviço militar. Como seria de esperar, o resultado do júri não apenas abalou a credibilidade da justiça no Rio de Janeiro, mas também provocou uma violenta revolta da população e da imprensa, que apontaram sérias falhas no processo e concessão de privilégios aos dois jovens pelo fato de pertencerem a famílias ricas da Zona Sul. Naturalmente, Cássio Murilo jamais retornou ao internato em Paty do Alferes e acabou se livrando da pena.

Superando as desagradáveis repercussões do caso, o internato continuou em franca atuação. Entretanto, após a morte do Capitão Zenóbio todo o conjunto foi negociado com o grupo Motel Clube do Brasil, funcionando novamente como grande casa hoteleira. Quanto ao colégio, seus trabalhos ficaram restritos a um dos corpos prediais localizado na área posterior do complexo, com acesso independente da entrada principal do hotel. Na ocasião, passou a ser dirigido pelo professor George Jacob Abdue auxiliado pelos professores Mário Vasconcelos Lopes Rêgo, Ilmar Barreiros Soares, Libério Lopes Ribeiro (este formado no próprio internato), Nilton Abdue, Yolanda Cunha de Oliveira (como secretária, também), Vanda de Oliveira Pereira, Orlinda Pereira Nunes, Linda Victória Abdue, Ivone Cardoso, Vera Lúcia Carvalho da Costa, Eloína Tavares, Raquel Ribeiro Motta Santos, Regina Lúcia Motta Bernardes e Jaime da Silva Maia (tesoureiro).

Chegando às mãos do professor George, o colégio teve a designação trocada de "Internato" para simplesmente Ginásio Barão de Paty do Alferes. Foi bastante procurado até os finais dos anos setenta, mas outros centros de ensino fundados em Miguel Pereira e Governador Portela (com ciclos estudantis mais avançados) acabaram por inviabilizar o GBPA, fato que determinou sua desativação.

Embora tenha se destacado nos anos setenta, o empreendimento hoteleiro foi desfeito, ficando por um longo período sem qualquer tipo de atividade, até que, em 2005, foi vendido ao grupo Hotel Fazenda Montanhês, de Miguel Pereira, que, de pronto, iniciou uma obra de restauração, melhorias e implementação de uma série de ofertas mais modernas ao público alvo, tais como salão para palestras e seminários e piscina interna aquecida, providências finalizadas em dezembro do mesmo ano. Já em fevereiro de 2012, as obras de recuperação dos espaços foram finalizadas e o grande portão de acesso transferido para outra área, mais segura, tranquila e de fácil circulação de veículos.

 

Imagem: Quadro de formandos e professores da turma do GBPA em 1973

Na próxima edição: a Irmandade de Paty do Alferes