A construção do cemitério em Paty do Alferes

Em 1857, Dom Pedro II e o cemitério de Paty

 09/03/2024     Historiador Sebastião Deister      Edição 491
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Prevendo sua morte iminente nos meses iniciais de 1840, o capitão-mor e fazendeiro Manuel Francisco Xavier lamentou o fato de não ter concluído a construção da igreja matriz de Paty, razão pela qual providenciou a feitura de seu testamento, deixando não apenas todos seus bens e fortuna para a esposa Francisca Elisa Xavier como também a expressa recomendação de que ela terminasse os trabalhos de edificação da igreja. Consciente de suas obrigações familiares e religiosas, a viúva não somente determinou a aceleração das obras, como também, generosa e sem medir despesas, dotou o templo de mobília adequada, tratando, ainda, de adquirir as alfaias, os ornatos, os utensílios de prata para a celebração de missas e demais liturgias e as imagens necessárias à consagração do templo, transformando-o em um ambiente sacro decorado com esplendor e riqueza.

Não satisfeita, mandou erguer, em anexo à igreja, uma casa paroquial destinada a abrigar a residência dos vigários que eventualmente fossem servir em Paty do Alferes. Instituiu, ainda, aos pés da igreja, um cemitério com capela própria, catacumbas e gavetas que ali perdurou por alguns anos. Por outro lado, adquiriu por Rs. 2.500$000 (dois contos e quinhentos mil réis)* junto à Câmara de Vassouras todo o terreno circunvizinho ao templo e o outorgou para constituir ad aeternunm o patrimônio de Nossa Senhora da Conceição, estabelecendo que ele servisse para ampliação da povoação patiense.

Ato contínuo, fez chegar às mãos do presidente da Província o termo de doação do patrimônio, impondo a condição de que ele o transferisse diretamente à Irmandade de Paty do Alferes criada em fevereiro de 1840 e, a partir de então, responsabilizar-se tanto pelas terras concedidas quanto pela administração da matriz. Feita a avaliação judicial de todos os haveres e bens ofertados por Francisca Elisa Xavier à freguesia, chegou-se à admirável quantia de Rs. 180.577$000 (cento e oitenta contos, quinhentos e setenta e sete mil réis)*, valor impressionante para a época.

A partir da década de 1860, população e autoridades de Paty perceberam a extrema necessidade de construir um grande cemitério que acolhesse, inclusive, os corpos inumados junto à matriz. Assim, na sessão de 6 de agosto de 1865 o Juiz da Irmandade, Comendador Felício Augusto de Lacerda, deliberou que fosse inserida na ata daquela reunião a exposição de motivos por ele enviada a D. Pedro II dando conta do projeto de implantação de uma necrópole mais ampla que atendesse as almas patienses. Entre outras razões, o Juiz dizia que "(...) a grande necessidade que havia na Freguesia de Paty de dotar o lugar com um cemitério mais espaçoso capaz de prestar jazigo decente aos restos mortais dos meus comparoquianos."

Em 1857, Dom Pedro II e o cemitério de Paty

O Comendador ainda lembrava que ao examinar a escrituração no Livro de Atas na data de 5 de janeiro de 1860, verificou que naquele sessão o reverendo Cônego Pároco da Freguesia, Manoel Felizardo de Nogueira, assinalava o fato de que D. Pedro II, em visita a Paty no ano de 1857, teria considerado muito modesto o cemitério da matriz, encarregando-o, por conseguinte, de requisitar do Governo Provincial providências a respeito. Escudado pela observação de D. Pedro II, Felício Augusto de Lacerda comunicou então ao Imperador que iria abrir uma subscrição para a edificação do novo cemitério, rogando-lhe que recebesse e aprovasse os desenhos da perspectiva planta baixa da obra. No preâmbulo da subscrição, datada de 17 de fevereiro de 1881 (anexada à listagem dos signatários solicitantes), o Comendador Felício frisava que "(...) é da mais incontestável necessidade a feitura de um cemitério nesta Freguesia; o atual, por insuficiente, já há bem pouco tempo que com grande dificuldade presta jazigo aos restos mortais que nele vão se depositar."

Esperançoso, concluía o documento dizendo que "(...) confiado, pois, em tão nobres sentimentos, vem o atual Juiz da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição de Paty do Alferes, Felício Augusto de Lacerda, perante os habitantes desta Freguesia, pedir uma esmola para o levantamento de um cemitério."

Com efeito, a população prontamente colaborou com o projeto, muito embora o somatório da subscrição de Rs. 20:345$600 (vinte contos, trezentos e quarenta e cinco mil e seiscentos réis) não alcançasse o valor estimado para a obra, razão pela qual o próprio Comendador resolveu cobrir o déficit de Rs. 12:994$075 (doze contos, novecentos e noventa e quatro mil e setenta e cinco réis) do seu próprio bolso.

Importante ressaltar que o Comendador Gabriel José Pereira Lima (o mesmo que administrou o grande casarão em Paty, depois ocupado pela família do coronel Manoel Francisco Bernardes, hoje o Museu Vila do Alferes) doou o terreno para a edificação do cemitério e de suas dependências, além de fornecer o material de construção retirado de sua pedreira particular. As telhas usadas para cobrir a capela foram ofertadas por Sebastião da Silva Machado, ao passo que grande parte dos tijolos foi um presente de d. Francisca das Chagas Xavier Leitão. Outras benemerências referem-se ao suporte de comestíveis para os pedreiros e ajudantes; o desmonte feito no morro para nivelar o terreno; emprego de cal; uso de barrotes, tabuados, frechais (vigas para sustentação dos caibros), ripas e pregos; fabricação no Rio de Janeiro de alisares e portadas de cantaria para porta de acesso da capela; subvenção de um altar, jarras douradas e outros aviamentos, além de colocação de um cruzeiro defronte da capela, instalação dos portões de ferro, varas principais para cimalha e compra de castiçais e demais alfaias, tudo importando em Rs. 33:339$675 (trinta e três contos, trezentos e trinta e nove mil e seiscentos e setenta e cinco réis), surgindo, assim, como já mencionado, um déficit de quase treze contos assumido pelo Comendador Felício Augusto de Lacerda. A obra, iniciada em 24 de fevereiro de 1861, foi concluída em 31 de maio de 1863, sendo solenemente inaugurada em 15 de junho de 1863 pelo padre co-adjutor Antônio José Gonçalves Ferro de Castro, provavelmente com uma missa na recém-erguida capela do cemitério. Registre-se que, entre vários túmulos importantes ali alocados, encontram-se os jazigos do próprio comendador, do barão de Paty e do visconde de Arcozelo e de seus familiares, além do mausoléu destinado a abrigar os corpos dos padres das igrejas de Paty e de Miguel Pereira.

 *Um conto de réis correspondia a 1,4 kg de ouro de vinte e dois quilates

 

IMAGEM: Cemitério de Paty do Alferes: vista parcial com destaque para a capela dos vigários